Suprema Corte de New York |
Desde aquele primeiro dia de agosto, incontáveis pessoas no estado de New York acionaram a justiça referente a seus casos. Entre elas está Heather Steele, então com 48 anos. De família Testemunha de Jeová, ela conta que suas mais remotas memórias de abusos datam de por volta dos dois ou três anos e que os abusos se estenderam até por volta dos 10 anos. Seu abusador, um amigo da família de nome Donald J. Nilcholson foi denunciado em 1982 e condenado a uns três anos de prisão, mas soube-se que os anciãos já sabiam de suas propensões para o crime e ainda assim o mantiveram no cargo bem como também deixaram de alertar as famílias da congregação sobre os riscos que suas crianças corriam com Nilcholson às voltas.
A petição inicial (doc 01) apresentada pelo escritório de advocacia de Irwin Zalkin narra em 43 páginas o emaranhado mundo de regras e as diversas cadeias de comando da organização das Testemunhas de Jeová (veja aqui a tradução). Em um texto redigido com substancial clareza, o documento elenca os cinco réus do processo. Além de Nilcholson, o abusador, a congregação também responde pelos crimes, visto que a negligência dos anciãos teria contribuído para que ocorressem. Completa a lista a Congregação Cristã das Testemunhas de Jeová (CCJW), a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (Watchtower) e o Corpo Governante.
Os réus acima citados, com exceção de Nilcholson e CCJW, respondem concomitantemente pelos seguintes crimes:
1 – Negligência em supervisionar;
2 – Negligência ao manter uma situação de risco;
3 – Atitude negligente ao não dispor de pessoas treinadas para lidar com casos de abusos e não relatá-los às autoridades;
4 – Negligência em deixar de notificar;
5 - Negligência em deixar de fornecer um ambiente seguro;
6 – Infligir intencionalmente aflição emocional;
7 – Infligir de forma negligente estresse emocional;
8 – Abuso sexual e agressão
48. Cada réu é o agente, servo e/ou empregados dos outros réus, e cada réu estava agindo dentro do curso e escopo de sua autoridade como um agente, servidor e/ou funcionário do outro.
A CCJW e sua razão de existência
Dentre os réus citados, a Congregação Cristã das Testemunhas de Jeová (em inglês, Christian Congregation of Jehovah's Witnesses – CCJW) é pouco conhecida no Brasil, visto que não existe por aqui e, pelo que é do meu conhecimento, nunca foi citada na literatura; trata-se de uma entidade jurídica criada nos Estados Unidos no ano 2000. Segundo consta na petição inicial, seu objetivo foi assumir as responsabilidades e funções do Departamento de Serviço da Watchtower para que esta não viesse a responder criminalmente por quaisquer irregularidades, como, por exemplo, crime de omissão em questões de abuso sexual infantil.
27. Em ou por volta de abril de 2001, a CCJW assumiu o Departamento de Serviço da filial norte-americana das Testemunhas de Jeová e veio a ser a sucessora da WATCHTOWER.
28. A CCJW nada pagou à WATCHTOWER em troca de ter assumido o controle do Departamento de Serviço e o Departamento de Serviço não mudou de local, de pessoal e nem de operação.
34. A CCJW foi criada de forma fraudulenta, a fim de livrar a WATCHTOWER de responsabilidade por conduta ilícita, incluída a demandada neste processo;
35. A WATCHTOWER desviou fundos corporativos, ativos e receita para a CCJW com o objetivo de tornar a WATCHTOWER à prova de julgamento.
37. A CCJW assumiu a função de operar o Departamento de Serviço a fim de transferir ativos em posse da WATCHTOWER para a CCJW.
A ação contra a CCJW é posteriormente descontinuada (doc 24) após a acusada se manifestar no sentido de que, em razão de não existir como entidade jurídica na época dos alegados abusos, ela não pode responder por quaisquer das irregularidades elencadas na acusação (Doc 14 e 16). Além disso, a CCJW negou todas as acusações, inclusive de que teria absorvido fundos da Watchtower.
Watchtower pede mudança de foro
Em sua primeira manifestação (doc 04 e 05), a Watchtower pede que o local de julgamento seja mudado do condado de Kings para o condado de Ulster, visto que, segundo alegou, o condado de Kings não satisfaz as duas condições para se estabelecer como foro adequado.
Conforme estabelecido abaixo, o condado de Kings, em New York, é um local impróprio porque (1) nenhuma das partes residia no condado de Kings, New York no momento em que a demandante iniciou esta ação e porque (2) "Uma parte substancial dos eventos ou omissões" que deram origem às reivindicações da demandante não ocorreram no condado de Kings, New York. Em vez disso, o local adequado é o condado de Ulster, New York, porque a Watchtower residia lá no momento em que a demandante iniciou esta ação (doc 05, pág 2).
Nos anexos disponibilizados à corte (doc 06, págs 52-54, e doc 07, págs 4-6), ver-se que a Watchtower se mudou de Brooklyn para Patterson em janeiro de 2017. Os acontecimentos que deram origem à ação judicial ocorreram nas décadas de 70 e 80, enquanto a Watchtower tinha sua sede em Brooklyn, condado de Kings, e enquanto Heather Steele, em sua época de criança, morava em Warrensburg, condado de Warren (veja em um mapa do estado de New York).
Neste ponto, acusação e defesa divergem sobre onde ocorreram os alegados crimes, como não oferecer supervisão, ambiente seguro, ou não notificar às autoridades e os abusos em si. A Watchtower, depois de enumerar os crimes citados na petição inicial, desavergonhadamente transfere para “outros réus” – para a congregação – a culpa pelos crimes:
Como um todo, todas as reivindicações envolvem atos ou omissões que ocorreram fora do condado de Kings, New York – onde os alegados abusos sexuais ocorreram – supostamente sob a supervisão de outros réus (doc 06, pág, 5).
Não é este o modo de ver da acusação. Dominique Penson faz-nos lembrar que, por cerca de 100 anos, a Watchtower e o Corpo Governante residiam “aos pés da ponte de Brooklyn” - por um tempo que abrange as décadas de 70 e 80 – e foi de Brooklyn que gerenciaram as congregações e foi a partir de Brooklyn que criaram políticas sobre como as congregações deveriam lidar com casos de pedofilia. Acrescenta que, embora os abusos sexuais em si ocorreram fora do condado de Kings, todas as demais causas de ação ocorreram no condado de Kings (doc 20).
Ouvido as partes, a corte decidiu:
Enquanto parte dos alegados atos e omissões ocorreram em Warrensburg, a saber, os alegados atos de abuso, é indiscutível que uma "parte substancial dos eventos ou omissões que deram origem à (s) reclamação (ões)" ocorreu no condado de Kings [...]. Assim, embora o condado de Ulster possa ter sido um local adequado para esta ação, não foi impróprio para a demandante iniciar esta ação no condado de Kings. Além disso, embora a ré solicite a mudança do local do julgamento nos termos da [...], a ré não apresenta qualquer base para mostrar que "um julgamento imparcial não pode ser feito" no condado de Kings, ou que “a conveniência de testemunho material e os fins da justiça seriam promovidos pela mudança” [...]. Consequentemente, o pedido da ré para alterar o local do julgamento para o condado de Ulster foi negado (doc 54).
Notadamente, a própria decisão da corte, cuja íntegra da tradução pode ser lida aqui, faz constar que a Watchtower toma a congregação como única responsável por quaisquer falhas que tenha levado às oito causas de ação do processo. Ironicamente como citado abaixo, a editora Watchtower não aponta o dedo para o Corpo Governante como autor das políticas referente a abuso sexual infantil:
Os únicos indivíduos potencialmente responsáveis pelo monitoramento da querelante no momento dos alegados abusos eram aqueles localizados onde os abusos ocorreram - Warrensburg, Nova York [...] Ter a Watchtower promulgado essas políticas religiosas a respeito de pecado, arrependimento e qualificação para os membros da congregação no condado de Kings, New York, é inútil se essas políticas não foram devidamente seguidas pela congregação em Warrensburg, New York. (doc 28, págs. 5,6).
Mas qualquer Testemunha de Jeová sabe que a Watchtower é subordinada ao Corpo Governante e não tem nenhum poder de decisão sobre como lidar com casos de abuso sexual infantil e não elabora nenhuma política sobre o assunto – e Dominique Penson fez constar nos autos (doc 21 e 22) que é exatamente assim.
Watchtower e congregação se defendem
As defesas de Watchtower (doc 33) e congregação (doc 41) usam quase os mesmos argumentos (e em muitos trechos, quase as mesmas palavras). Watchtower e congregação foram refutadas por Devin M Storey em doc 50 e doc 52, respectivamente; ambos os documentos se divergem apenas por alguns poucos excertos. Storey foi respondido por congregação e Watchtower em doc 59 e doc 63, respectivamente.
Excepcionais circunstâncias
Em suas declarações preliminares, as defesas de congregação e Watchtower fazem constar que os abusos sofridos por Steele foram tornados públicos em 1982, quando ela tinha entre 10 e 11 anos e que – com a cooperação dos pais de Steele – Nilcholson foi encarcerado nesse mesmo ano; a defesa da congregação acrescenta que o prazo para ela entrar com ações expirou em 1992 quando completou 21 anos.
Os tribunais de New York têm interpretado de forma consistente a cláusula do devido processo em nossa constituição estadual para permitir o reavivamento de casos prescritos apenas em excepcionais circunstâncias onde os requerentes foram previamente impedidos de alguma maneira muito específica de entrar com ações dentro do prazo (a pessoa estava detida no exterior em tempo de guerra e em um território ocupado; ou uma lesão latente causada pela exposição a uma substância não se manifestou até o caso prescrever) (doc 41, pág. 6; negrito acrescentado; veja também doc 33, págs. 7, 16).
A demandante e seus pais sabiam do abuso; eles estavam com raiva e aborrecidos com a situação, mas optaram por não entrar com ação (doc 33, pág. 16)
Ao considerar que Steele levou Nilcholson aos tribunais em 1982 e que teve até 1992 para entrar com ações adicionais, sem que não houvesse qualquer obstáculo aparente – e ainda assim não o fez –, as defesas de congregação e Watchtower concluem que as ações contra essas instituições são improcedentes.
A CVA é inconstitucional
As defesas de congregação e Watchtower fazem constar que são raríssimos os casos em que a corte do estado de New York aceitou reavivar acusações, e somente com a única condição de remediar uma injustiça; por essa razão, consideram que a CVA é inconstitucional, visto que abre um grande leque para ações, as quais não satisfazem os precedentes estabelecidos pela corte. A queixa contra essas instituições não satisfaz, visto que, segundo dizem, Steele não teve nenhum impedimento válido para apresentar queixa dentro do prazo. Referente a isso, a acusação mostra que pesquisas científicas dão conta de que vítimas de abusos podem levar muitos anos, às vezes por toda a vida adulta, até serem capazes de tornar público que foram sexualmente molestadas.
Congregação e Watchtower acrescentam que a queixa as expõe a uma situação em que têm que se defender de acusações de cujas provas podem ter-se esvaído com o tempo. Lista-se testemunhas agora senis, adoentadas ou desaparecidas. O que quer que essas pessoas tenham feito, se chamaram as autoridades, se relataram aos pais, se agiram de modo correto – tudo isso é desconhecido.
A defesa da congregação acrescenta:
A passagem do tempo destruiu a memória institucional necessária para a defesa da congregação (doc 41. Pág. 18; veja também doc 33, págs. 15, 17).
Em resposta aos dois últimos parágrafos, a acusação escreve:
Sem qualquer suporte probatório, a ré protesta que algumas das queixas reavivadas põem-na em condições difíceis de se defender porque datam de muitos anos. O que isso falha em reconhecer, claro, é que está com a demandante o ônus da prova, [...]. Em qualquer caso, o protesto soa vazio por vários motivos. Primeiro, existem muitos tipos de casos cujos eventos materiais podem recuar há muitos anos [...] em segundo lugar, a passagem do tempo certamente provará ser um maior obstáculo para a demandante do que para a ré, não apenas porque a demandante arca com o ônus da prova, mas porque ela não possui, como uma ré organização, uma memória institucional, vastos recursos financeiros e extensos arquivos de registros que remontam há muitas décadas (doc 50, págs., 24,25; doc 52, págs. 25, 26).
Como outra evidência de inconstitucionalidade da CVA, a defesa da congregação cita decisões nesse sentido de outras cortes:
Tribunais de apelação em seis estados declararam especificamente que suas legislações estaduais não podem, consistentemente com as restrições do devido processo, permitir o reavivamento de reivindicações anteriormente prescritas de alegado abuso sexual na infância (doc 41, pág. 21).
Acusações não abrangidas pela CVA
De acordo com as defesas de congregação e Watchtower, as acusações de n°4, n°5, n°6, n°7 e n°8 não possuem fundamento legal.
As defesas de congregação e Watchtower consideram que as acusações de número seis e número oito - infligir intencionalmente aflição emocional e Abuso sexual e agressão - estão fora do escopo de atividade que congregação e Watchtower estabeleceram para Nilchoson e, portanto, essas instituições não podem responder pelos atos de Nilchoson (doc 33, pág. 19, 20; doc 41, pág. 25).
A defesa da Watchtower, que foi submetida à corte em 8 de maio de 2020, justifica:
Tribunais, de forma consistente, têm afirmado repetidamente que o abuso sexual de menores por funcionários da igreja ocorre fora do âmbito do emprego e não promove os interesses do empregador (doc 33, pág. 21).
E a defesa da congregação, que chegou ao tribunal três dias depois, diz o mesmo com quase as mesmas palavras:
Tribunais têm sustentado repetidamente que o abuso sexual de menores por funcionários da igreja ocorre fora do âmbito do emprego e não promove os interesses do empregador (doc 41, pág. 28).
Como resposta, a acusação esclarece que um “empregador” pode responder pelos atos de um “empregado” mesmo que este aja fora do escopo estabelecido para ele, desde que seus atos sejam “ratificados” pelo “empregador”.
A acusação escreve:
Aqui, a demandante alegou fatos que sustentam uma teoria de ratificação, especialmente na fase de defesa. Ao saber que Nicholson abusou sexualmente de da demandante, a ré não entrou em contato com as autoridades devido a preocupações sobre a reputação da congregação. (FAC¶ 190.) Pior, a ré dissuadiu a demandante de cooperar com a aplicação da lei, advertindo que qualquer cooperação desse tipo traria consequências graves. (FAC¶ 189.) Além disso, a demandante alegou que a ré encobriu vários outros relatórios de abuso sexual infantil cometido por Nicholson. (FAC¶ 47.) Essas alegações, na fase de contestação, mais do que estabelecem uma teoria de ratificação. Consequentemente, a moção da ré sobre este ponto deve ser negada (doc 50, pág. 31; do 52, pág. 35).
Referente à causa de ação número sete - Infligir de forma negligente estresse emocional – as defesas de congregação e Watchtower apontam que a legislação requer que isso seja uma causa direta da ação da ré ou réu. Steele teria passado a sofrer de estresse emocional em resultado dos abusos, não como resultado da ação das referidas instituições ao designar Nilchoson como ancião, que teria ocorrido antes mesmo de Steele nascer; portanto, o estresse emocional jamais poderia ser uma causa direta da ação das citadas instituições.
Referente a isso, a acusação escreve:
A ré tenta caracterizar esta [causa de ação] da demandante como decorrente da nomeação de Nicholson para "servir como um ancião, para trabalhar e entrar em contato com os membros menores da congregação”. No entanto, esta não é a base da reclamação da demandante. Em vez disso, a demandante alegou que: (1) a ré sabia que os anciãos têm contato frequente com crianças, incluindo supervisão de crianças (FAC ¶¶ 39, 42-43), e (2) a ré sabia, ou deveria saber, que Nicholson sexualmente abusou de crianças e ocultou esse fato dos pais da demandante e dela própria. Dado este conhecimento, a ação direta da ré de nomear Nicholson como um ancião violou um dever concernente à demandante que colocou em risco sua segurança física. Assim, na fase de defesa, as alegações da demandante suportam que a moção da ré neste ponto deve ser negada (doc 50, pág. 31, 32; doc 52, pág. 35,36).
Com respeito à causa de ação número quatro - Negligência em deixar de notificar –, a defesa da congregação cita um precedente jurídico em que se estabeleceu que, se uma parte não tem conhecimento de um perigo, ela não está sob a obrigação de avisar (doc 41, pág. 30 e 31).
Para que haja o dever de avisar, uma das partes deve ter conhecimento de um provável perigo. As demandantes não alegaram adequadamente que a congregação tinha esse conhecimento (doc 41, pág. 31; veja também doc 33, pág. 22).
A acusação escreve:
(1) A ré sabia que Nicholson abusou sexualmente de crianças (FAC ¶ 46), (2) Os deveres de Nicholson como ancião incluíam a supervisão de crianças autorizada pela ré (FAC¶ 41), e (3) a ré sabia que Nicholson teria contato frequente com crianças em conexão com sua posição como um ancião (FAC¶ 45). Claramente, existe um perigo iminente quando um abusador de criança tem acesso irrestrito a crianças. Assim, a ré tinha o dever de avisar a demandante (doc 50, pág. 32; doc 52, pág. 36).
As defesas de congregação e Watchtower então fazem constar que a causa de ação número quatro é idêntica a outras queixas por negligência; trata-se de mesma queixa com nome diferente e – portanto – deve ser rejeitada pela corte.
Sobre a causa de ação número cinco – Negligência em deixar de fornecer um ambiente seguro – Watchtower e congregação relatam que essa obrigação não existe no contexto de instituições religiosas; o dever de avisar, segundo dizem, é natural nas instituições de ensino ou em prisões, em locais onde pessoas ficam privadas da capacidade plena de se defenderem.
Membros da congregação participam voluntariamente de atividades religiosas e as crianças não são privados da proteção de seus pais (doc 41, pág. 32).
Em resposta, a acusação cita um precedente jurídico (C.L. v R.C. Archdiocese of NY; doc 50, pág. 33; doc 52, pág. 37) em que a obrigação de fornecer um ambiente seguro foi admitida em um contexto religioso. Sobre esse caso, congregação e Watchtower fazem constar que se trata de abusos que ocorreram em uma escola sob a administração da arquidiocese (doc 59, pág. 20; doc 63, pág. 16).
O Corpo Governante se defende
A defesa do Corpo Governante concentra-se em estabelecer que o grupo e oito pessoas alvos da ação não constituem uma entidade jurídica e, portanto, não podem ser processados como se uma entidade jurídica fossem; além disso, faz constar que o Corpo Governante trata apenas de questões de fé para as Testemunhas de Jeová (doc 46, pág. 3). Destaca que a acusação não faz nenhuma menção de que quaisquer dos atuais membros do Corpo Governante exerciam essa função na época em que teria ocorridos os alegados abusos (doc 47, pág. 9).
A defesa também sinaliza que a CVA foi constituída para reavivar a acusações, não para se permitir novas acusações contra novas partes (doc 47, pág. 17). Acrescenta que a Primeira Emenda veda que se obstacularize o livre exercício da religião, nem mesmo mediante a criação de leis (doc. 47, pág. 18).
"O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas (Primeira Emenda à constituição dos Estados Unidos; negrito acrescentado).
Sobre ser o Corpo Governante culpado de negligência, como alega a demandante, a defesa esclarece que não há relação de patrão-empregado entre o Corpo Governante e Nicholson, de modo que o Corpo Governante não pode responder pelos atos de Nicholson, além disso, segundo acrescenta, nenhum dos atuais membros do Corpo Governante tinha quaisquer conhecimentos sobre os alegados crimes de NIcholson quando eles ocorreram (doc 47, págs. 20-22). Além disso, a defesa afirma que, por não exercerem as funções de membros do Corpo Governante na época dos alegados abusos, contra os atuais membros não cabem também as acusações de falharem em treinar pessoas para prevenir casos de abusos e em fornecer um ambiente seguro. Finalmente, em razão de nenhuma das causas de ações serem aplicáveis, a defesa alega que não cabe punição por danos, como requer a acusação.
Sobre se o Corpo Governante pode ou não pode ser processado, a acusação assim se expressa:
O argumento principal do réu Corpo Governante é que ele não existe, ou pelo menos que não existe de forma que possa ser processado pelas ações anteriores de diferentes membros constituintes. Mas isso está claramente errado, como evidenciado pelas admissões da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, inc. ("Watchtower"), conforme estabelecido nos anexos a esta resposta. O Corpo Governante é um grupo perpétuo, discreto e identificável, de oito homens que controlam as operações de toda a organização mundial das Testemunhas de Jeová, e este grupo tem feito isso por muitas décadas. Os indivíduos nomeados na petição inicial compreendem a totalidade desse órgão tal como presentemente constituído, garantindo assim serviço análogo ao de um “presidente” ou “tesoureiro”. Apesar de o Corpo Governante ser nomeado sem definir seu status corporativo, os serviços dos atuais membros desta entidade são suficientes para requerer sua participação neste processo, mesmo que seja uma associação não corporativa [...]. Além disso, esses atuais membros do réu Corpo Governante, presumível não ser uma associação, podem ser processados pelas ações dos membros anteriores, com mesmos status. Na verdade, os argumentos do Corpo Governante, se levados a sério, permitiriam a um pequeno grupo de indivíduos controlar uma organização global que presta serviços a crianças e literalmente fazer que conhecidos molestadores ou criminosos sexuais ocupem cargos e saia ileso de qualquer recurso por tais ações. Um resultado tão absurdo não pode advir da lei (doc 55, págs. 12, 13).
Sobre a Primeira Emenda, a acusação faz constar que o que a ação não versa sobre as qualificações teológicas de Nicholson, mas se ele poderia ter sido colocado em cargo de supervisão, mesmo após ser sabido que ele abusara de crianças - e isso não estaria sob a esfera da Primeira Emenda.
Na verdade, quase todas as jurisdições rejeitam uma proibição geral a ações judiciais contra instituições religiosas referente a atos ilícitos cometidos por seus agentes (doc 55, pág. 13, 41).
Assim como as defesas de Congregação e Watchtower, a defesa do Corpo Governante também afirma que a CVA é inconstitucional; isso é contestado pela a acusação nas seguintes palavras:
Embora o réu não considere adequado mencioná-lo, vários tribunais de New York já aprovaram a constitucionalidade da CVA (doc 55, pág. 25).
Finalmente, acusação faz constar em anexos vários textos de publicações da Watchtower que não deixa qualquer dúvida de que o Corpo Governante é o chefe maior da organização (doc 55, págs, 60-96).
Em doc 65, a defesa do Corpo Governante volta a se manifestar e reafirma todas as declarações feitas em doc 47.
Escritórios de advocacia
Uma das coisas que ficou clara aqui é que o Corpo Governante tem desviado fortunas em donativos para financiar grandes escritórios de advocacia dos Estados Unidos.
K&L GATES, que defende a Watchtower foi listada como uma das 100 maiores firmas de advocacia dos Estados Unidos; em seu site, ler-se que possui presença em todos os continentes. MARKORLAW, que defendeu a CCJW e defende a congregação, é uma firma que atua nos estados de New York e New Jersey.O Corpo Governante é defendido por SCHNADER, uma empresa com presença em vários estados americanos e em Jacarta.
Não é errado requerer serviços advocatícios, de fato, é um direito que se tem em qualquer país civilizado. Mas dado o fato de que o Corpo Governante tem afirmado por diversas vezes que os donativos são usados exclusivamente para a promoção do evangelho (isso foi dito explicitamente em uma carta a um leitor), fica-se a imaginar de onde se tira dinheiro para pagar pelos serviços de bons advogados para defender o Corpo Governante e suas entidades jurídicas das acusações de acobertarem crimes de pedofilia. Naturalmente não se pode dizer que isso visa promover o evangelho, como pode-se alegar em casos como as ações jurídicas para defender o patrimônio das Testemunhas na Rússia. Considerando que o Corpo Governante faz uso de donativos para se defender de acusações que lhe faz vergonha, seria justo e honesto da parte dele esclarecer isso para as Testemunhas, porque elas, ao disporem dessas informações, poderiam decidir se continuariam a tirar dinheiro de seus bolsos para tais fins.
O que esperar a seguir
O julgamento já está na fase final na Suprema Corte do estado de New York. Todos os acusados – Watchtower, congregação e Corpo Governante - já apresentaram réplica e tréplica. Um dos documentos mais recentes disponibilizado no site da corte é um ofício padrão do tribunal que apresenta às partes a oportunidade de fazerem acordo dentro de um determinado prazo (doc 71). Visto que os acusados negaram quaisquer crimes, um acordo parece improvável, mas não se pode descartá-lo – dado que acordos semelhantes já foram feitos, tudo depende das previsões sobre qual será o veredicto. Se um acordo for feito, isso geralmente vem com uma cláusula de sigilo e nunca se saberá quanto de dinheiro – de donativos – uma vez mais foi escoado para os escritórios de advocacia (Acesse aqui o site do tribunal para acompanhar o processo).
O corpo governante vai cair, acredita!
ResponderExcluirNao me arrependo de ter abandonado essa igreja-empresa impregnada de crimes...
ResponderExcluirEntão: até nunca mais, você vai deixar de existir.
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