sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Carta de Bruno M. ao Corpo Governante – uma análise

Ao longo da história da religião das Testemunhas de Jeová, certamente não foram poucas as cartas abertas dirigidas à liderança desta religião. Porém, com o avanço e mais acessibilidade dos meios de comunicação, mais delas devem alcançar mais pessoas do que alcançaram as de décadas passadas. A mais recente, por exemplo, foi escrita em alemão, e, como vemos, até já pode ser lida em português(download aqui). 


Bruno M. está agora chegando aos 90 anos. 

Para quem é Testemunha de Jeová e tem toda a sua família na religião, certamente não é a melhor fase da vida para bater de frente a sua liderança, o Corpo Governante. Com relação a isso, nesse momento me vem à memória o caso de Percy Harding; já bastante abatido pela idade, ele era cuidado por algumas Testemunhas de Jeová, mas, ao ser desassociado aos 91 anos, restou-lhe procurar cuidados em um asilo, onde faleceu alguns anos depois (Veja o livro Em Busca da Liberdade Cristã, de Raymond Franz, página 422-426). O que irá acontecer com Bruno, M não sei; mas não tenho bons pressentimentos. 

Mas em que consiste a sua carta? O que ele encontrou de erro nas doutrinas defendidas pelo Corpo Governante? Em resumo ele contesta a afirmação do Corpo Governante de que a volta de Cristo se dará DURANTE a Grande Tribulação; em vez disso, segundo ele, Cristo voltará DEPOIS. 

“Durante” ou “depois”?

A Bíblia não deixa dúvida de que Cristo voltará; também, pelo relato dos evangelhos, cartas de Paulo e Apocalipse, sabemos que a sua volta será com o objetivo de julgar a humanidade, e, com base nesse julgamento, compensar os fiéis e condenar os infiéis. Foi com base na seriedade desse julgamento que Cristo, quando esteve na terra, alertou a seus seguidores que se mantivessem vigilantes, para que, por ocasião da sua volta, em uma data indeterminada, eles pudessem ser achados qualificados para a salvação. 


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Sobre se a volta de Cristo se dará “durante” ou “depois” da Grande Tribulação, leiamos parte do capítulo 24 de Mateus, conforme consta na Tradução do Novo Mundo, edição de 2015:

15 “Portanto, quando vocês virem a coisa repugnante que causa desolação, da qual falou Daniel, o profeta, estar num lugar santo (que o leitor use de discernimento), 16 então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes. 17 O homem que estiver no terraço não desça para tirar da sua casa os bens, 18 e o homem que estiver no campo não volte para apanhar sua capa. 19 Ai das mulheres grávidas e das que amamentarem naqueles dias! 20 Persistam em orar para que a sua fuga não ocorra no inverno nem no sábado; pois então haverá grande tribulação, como nunca ocorreu desde o princípio do mundo até agora, não, nem ocorrerá de novo. 22 De fato, se não se abreviassem aqueles dias, ninguém seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, aqueles dias serão abreviados. 23 “Então, se alguém lhes disser: ‘Vejam! Aqui está o Cristo!’ ou: ‘Ali!’, não acreditem. 24 Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas,  e farão grandes sinais e milagres a fim de enganar, se possível, até mesmo os escolhidos. 25 Prestem atenção! Eu os avisei antecipadamente. Portanto, se lhes disserem: ‘Vejam, ele está no deserto!’, não saiam; ou: ‘Vejam, ele está no interior da casa!’, não acreditem. 27 Pois, assim como o relâmpago sai do leste e brilha até o oeste, assim será a presença do Filho do Homem. 28 Onde estiver o cadáver, ali se ajuntarão as águias. 29 “Imediatamente depois da tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu, e os poderes dos céus serão abalados. 30 Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, e todas as tribos da terra então baterão no peito, de pesar,  e verão o Filho do Homem vir nas nuvens do céu, com poder e grande glória. 31 E ele enviará seus anjos com forte som de trombeta, e eles reunirão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma extremidade dos céus até a outra extremidade deles.

Do versículo 15 até a parte inicial do versículo 20 podemos ler o que seria advertências para os cristãos judeus, para que não sofressem o castigo que sobreviria à própria Jerusalém. Na parte final do versículo 20 temos a primeira e única ocorrência da expressão Grande Tribulação nos evangelhos. Como isso é dito logo após as advertências sobre como escapar do castigo que sobreviria à cidade de Jerusalém, parece apropriado concluir que a própria destruição de Jerusalém foi uma “grande tribulação”.  Como o versículo conclui que a Grande Tribulação seria tão grande ao ponto de não ter paralelo passado ou futuro, isso a tornaria maior que o Dilúvio, que foi uma grande execução dos infiéis. Se esse entendimento estiver correto, a Grande Tribulação teria que incluir também o Armagedom, pois somente assim ela seria sem comparação. Para a organização Torre de Vigia, é exatamente assim. Como pode ser visto na citação abaixo:

A Sentinela de 15 de julho de 2013, página 5. 


E como Jesus Cristo virá antes do Armagedom – naturalmente –, isso torna razoável a afirmação da Torre de Vigia de que Cristo virá DURANTE a Grande Tribulação.

Curiosamente, as passagens bíblicas usadas por Bruno M. para provar que Cristo virá DEPOIS da Grande Tribulação não se referem claramente à Grande Tribulação, como pode ser visto abaixo.



Tanto estes relatos, bem como o capítulo 25 de Mateus, ao abordarem a volta de Cristo, afirmam que ele fará a separação de seus escolhidos, separando as ovelhas dos cabritos; este será o julgamento. Depois disso, conforme consta em Mateus 25:

Estes [os cabritos] partirão para o decepamento eterno, mas os justos, para a vida eterna. (Mateus 25:46)

Quanto tempo será necessário para ocorrer a separação entre cabritos e ovelhas e o julgamento?  Absolutamente não há necessidade de tempo algum, pois as advertências de Jesus Cristo sobre permanecer vigilantes para estar preparado para a sua volta são claras indicações de que, depois de iniciado a Grande Tribulação, não haverá mais tempo para conversões, e nem faz sentido imaginarmos os anjos percorrendo a terra inteira em busca dos salvos. Lá da Sua morada, o Pai já sabe onde está cada um deles. O julgamento, portanto, será feito com base no comportamento das pessoas pelo tempo que esperaram a vinda de Jesus Cristo, não pela reação delas ao perceberem que ele voltou. Por essas mesmas razões, não há necessidade de um período de tempo para ocorrer o julgamento. Todas as informações referentes a todas as pessoas já estarão na memória do Pai e do filho, e isso lhes habilitam fazer um julgamento instantâneo.  Portanto, “depois da tribulação daqueles dias”, ou “depois daquela tribulação”, Jesus Cristo poderá se manifestar a qualquer tempo, seja visível a todos, como acredita a maioria das religiões cristãs, seja invisível, como acredita a Torre de Vigia. Depois de a humanidade reconhecer que ele voltou, pode-se seguir o Armagedom – sem demora, fazendo assim que a Grande Tribulação tenha o seu clímax, tal “como nunca ocorreu desde o princípio do mundo”.

Parece razoável esse meu entendimento? Não tenho nenhuma formação teológica, não tenho nenhum título de doutor, que possa de alguma forma legitimar essa conclusão. No entanto, Bruno tampouco apresentou suas credenciais em teologia, e muito menos apresentou fontes para confirmar a sua tese. Apesar disso, foi com base em Mateus 24: 29, que fala de “tribulação”, não de “grande tribulação” que ele fez afirmações bem taxativas, como as mostradas abaixo:





Mas adiante em sua carta, Bruno conta uma conversa que teve com duas irmãs sobre esse assunto e que elas insistiam em dizer que se tratava de “pormenores”:


Considerado dentro do plano geral de salvação que a morte de Jesus Cristo nos proporciona, essa questão sobre se Jesus Cristo voltará DURANTE ou DEPOIS da Grande Tribulação é apenas isso, um pormenor. Se elevarmos os quesitos de salvação a esse ponto, ninguém será salvo, e até Bruno pode estar em risco, uma vez que admite não saber tudo das Escrituras; se de fato ele não sabe de tudo, como pode ter certeza de que exatamente agora não desconhece uma ou outra questão que Cristo levará em conta no Dia do Julgamento?

A respeito dos mandamentos essenciais que caracterizam o cristianismo, Jesus Cristo colocou o amor a Seu Pai como primeiro mandamento, e em segundo, o amor ao próximo; também disse que o amor de uns para com os outros identificaria os cristãos verdadeiros. Tiago escreveu que cuidar dos órfãos e das viúvas e manter-se sem mancha no mundo era a forma de adoração que Deus aprova. Essas recomendações são cristãs e são facilmente compreendidas e aceitas por todo aquele que deseja ser cristão, tendo em vista ganhar o prêmio da salvação. Querer ir além, elevando os critérios de salvação a minuciosos tecnicismos, a meu ver, está-se indo além das coisas escritas, além daquilo que o juiz Jesus Cristo estabeleceu.

Falsos profetas

Bruno também faz um esforço para relacionar as palavras de Jesus Cristo, a respeito de quem anunciariam a presença de falsos cristos, com as declarações da liderança das Testemunhas de Jeová a respeito de que Cristo já está presente e assim continuará até sua vinda, para o julgamento. De fato, as Testemunhas de Jeová anunciam um Cristo que não vemos. Mas será que Jesus Cristo, ao falar sobre falsos cristos, estaria de certa forma profetizando a existência das Testemunhas de Jeová em nossa época?  Leiamos as palavras de Bruno:



É preciso notar que as palavras de Jesus Cristo não se resumem a “falsos profetas” que anunciam uma “presença invisível” de Jesus Cristo. Leiamos parte delas. Note que Jesus Cristo fornece também a razão do porque alguns (não os falsos profetas) anunciariam uma presença de Cristo:

23 “Então, se alguém lhes disser: ‘Vejam! Aqui está o Cristo!’ ou: ‘Ali!’, não acreditem. 24 Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas,  e farão grandes sinais e milagres a fim de enganar, se possível, até mesmo os escolhidos.

A presença de “falsos cristos” é que motivariam alguns a anunciarem a presença deles, e que a presença de “falsos cristos e falsos profetas”, com seus “grandes sinais e milagres” teria como objetivo “enganar, se possível, até mesmo os escolhidos”.  Visto em detalhe, essas palavras de Jesus Cristo não me parecem descrever o trabalho das Testemunhas de Jeová. Mesmo se aplicarmos a elas o papel de “falsos profetas”, ainda teria que estar presente os “sinais e milagres” como fruto do trabalho delas, ou, mais provavelmente, alguma coisa relacionada a elas que deixasse o mundo admirado, boquiaberto, e com um número considerável de pessoas seguindo suas pisadas, Analisando a capacidade de convencimento das Testemunhas de Jeová, com sua taxa de membros correspondendo a apenas 1/1000 da população mundial, e com seu crescimento já quase estagnado, não vejo como elas possam, de alguma forma, serem a razão das palavras de Jesus Cristo a respeito de falsos profetas. É verdade que os líderes das Testemunhas foram responsáveis por diversas afirmações proféticas que se provaram falsas, e podem, por essa razão, serem chamados de falsos profetas, mas nisso eles apenas seguem o exemplo de diversos outros grupos religiosos, do passado e do presente, e isso, longe de ser motivo de admiração pelas pessoas de nossos dias, está-se tornando motivo de zombaria e faz com que as Testemunhas de Jeová estejam cada vez mais caindo no descrédito popular.

A respeito das palavras de Jesus Cristo sobre falsos cristos e falsos profetas, posso deduzir que a atuação dessas entidades, seja lá como se manifestem, seja através de uma liderança humana, seja através de uma liderança religiosa, terá grande influência sobre a humanidade, com argumentos bem convincentes, ainda que falaciosos, com o objetivo “de enganar, se possível, até mesmo os escolhidos”. E terá sucesso considerável. Das próprias palavras de Bruno, poder-se-ia deduzir uma atuação poderosa de falsos profetas já em nossa época. À página 6 de sua carta, conforme cito abaixo, ele considera que a Trindade é antibíblica. 



Porém, essa doutrina é um ponto estrutural básico da vasta maioria das religiões cristãs. Se de fato essa doutrina é falsa, quem foi o “falso profeta” que a desenvolveu e difundiu?  Por esse quesito, vemos a atuação de um “falso profeta” bem mais convincente do que a liderança das Testemunhas de Jeová, que, pelo contrário, longe de ter sido enganada por ele, tem combatido esse ensino com uma ferocidade implacável.

Conclusão

Que as Testemunhas de Jeová enfrentam sérios problemas quanto à defesa de suas doutrinas, isso é inegável. O próprio revisionismo constante é uma prova disso. Porem, outras religiões que não passam por um revisionismo semelhante, têm contra si uma serie de outros pontos negativos, como umas ou outras doutrinas que consideramos antibíblicas, e condutas que consideramos reprováveis. E que conclusões podemos tirar disso? Que parece não haver nenhuma religião cristã divinamente escolhida para ser guardiã da verdade. Essa conclusão está em harmonia com as palavras de Jesus Cristo a respeito de quando haveria a separação das ovelhas e de cabritos – apenas por ocasião de sua vinda, em um tempo futuro. Enquanto isso, vigoram as suas advertências quanto a manter-se vigilantes, em razão de não sabermos dia e hora de seu retorno.

Bruno M. despertou para com as mentiras religiosas que lhe cegaram por quase uma vida inteira. Não tenho dúvidas de que ele, à medida que prosseguir com suas pesquisas, acabará encontrando um ponto de equilíbrio, e muito provavelmente, depois de um tempo, passará a ver a liderança das Testemunhas como vítima – tal qual ele foi por tantos anos. Talvez continue expondo o que ele considera erros doutrinários, tal qual fizeram muitos antes dele. Os custos emocionais ainda são incalculáveis, mas creio serem grandes as chances de ele ser desassociado. É verdade que o Corpo Governante está consciente de que a repercussão pode ser danosa à sua imagem, mas está diante de um dilema. Caso não aja com rigor, desassociando Bruno, irá deixar muitas Testemunhas inquietas, a perguntar-se por que um apóstata declarado não foi disciplinado tal qual foram outros, e por questões bem menores.  Talvez venha a ocorrer com ele o que aconteceu com dois amigos de Raymond Franz, que deixaram a Irlanda e foram visitá-lo logo que souberam de sua desassociação. Depois de passarem cinco dias com Franz, Martin Marriman e John May foram visitar o Corpo Governante na expectativa de terem uma audiência com a corporação. Esta, porém, não os recebeu, mas também – estranhamente – não tomou nenhuma disciplina contra os dois, por terem passado quase uma semana em associação plena com um desassociado. A razão disso é magistralmente explicada por Franz.

Crise de Consciência, de Raymond Franz, páginas 424-432. 


Mas aos poucos, de modo sorrateiro, o Corpo Governante enviou emissários à Irlanda para investigar se aqueles dois homens estavam conversando com outras Testemunhas sobre pontos negativos da Organização. Essa suspeita era demasiadamente invasiva para John May e Martin Marriman, que, um após outro, acabaram por se dissociarem da religião.

Diante deste precedente, posso crer que o Corpo Governante irá fazer um inferno da vida de Bruno M, o que, por sua vez, se tardar a sua desassociação, ele mesmo talvez acabe por se dissociar. Talvez não lhe reste apenas o asilo para cuidados especiais, tal qual se sucedeu a Percy Harding, mas é certo que terá pelo resto de seus dias uma amarga lembrança de como é descobrir-se entre lobos, quando passou toda a vida pensando estar entre amorosos pastores espirituais. 


Testemunhas de Jeová - o que elas não lhe contam?

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3 comentários:

  1. Na época, eu fiquei muito pensativo sobre esse ERRO da revista. Prova que o único canal entre Deus e a humanidade é CEGO e SURDO.

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  2. Boa tarde Lourisvaldo.
    Sinto muito pelas Testemunha de Jeová, que realmente agem com amor uns aos outros, pregando o que eles acham que seja o certo. Acho ate que os fieis nos mandamentos de Deus terão a sua alma preservada, afinal na minha opinião Deus não se encontra em nenhuma religião ou doutrina. Entre jugará a todos de forma igual, levando em conta não a sua religião, mas os seus atos. Quem julga, quem aponta o dedo em direção ao seu irmão em Cristo , sera julgado com mais severidade por Deus, afinal quem somos nós para julgar, para como eles chamam desassociar, os afastando da religião e pior ainda dos quem ama. Enfim cada um com sua crença, e que Deus faça os cegos enxergarem. Uma linda semana. Grande abraço.

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  3. Boa noite Lourisvaldo
    Quando se descobre a enganação há que se sentir um vazio pois durante anos seguiu os ensinamentos como verdades absolutas
    Mediante estudos e muitos questionamentos toma consciência de que não há uma verdade impoluta e recolhe-se ao estudo bíblico em buscas de respostas.
    Nenhum ser de religião alguma tem as respostas a tantos questionamento e quando são postos em cheque agem com rigor disassociando o membro para que ele não tenha chance de disseminar suas dúvidas o que poderia acarretar o afastamento de muitos outros fiéis
    Que Deus conceda a cada ser humano a capacidade do discernimento fazendo com que os cegos possam enxergar a sua divina luz
    Um grande abraço meu amigo

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