terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Reexaminando o livro Criação - parte I (mutações)

O livro A Vida – Qual a sua origem? A evolução ou a criação? foi um dos livros da Torre de Vigia que mais me fascinou quando eu era Testemunha de Jeová.
Mas o que se dará, porém, se este livro for lido com mente aberta, sem convicção de que os autores são dirigidos diretamente por Deus quando discorrem sobre um assunto tão crucial para a crença deles quanto a evolução dos seres vivos?
Neste recesso de fim de ano, sem nada do que fazer aqui por casa, fui à minha estante e li partes do livro Criação, e olha só! Virou artigo.
Para começar, vamos às definições sobre o que é mutação.

Os evolucionistas afirmam que várias alterações verificadas no interior do núcleo da célula desempenham sua parte [na evolução dos seres vivos]. E, dentre estas, destacam-se as mudanças “acidentais” conhecidas como mutações. Crê-se que as partes específicas envolvidas nestas alterações mutacionais sejam os genes e os cromossomos das células sexuais, uma vez que as mutações neles verificadas podem ser transmitidas aos descendentes (Criação, página 99).
Para um exame mais detalhado sobre o que é a mutação genética veja este link.
Para a Torre de Vigia e outras religiões criacionistas, a evolução dos seres vivos só ocorre de fato se houver o surgimento de novas espécies (macroevolução); alterações de características dos seres vivos (microevolução), como um animal mudar a cor da pele ou o tamanho das orelhas, não é evolução.
O livro Criação foi escrito em 1985, de modo que considerei a possibilidade de que, em razão de ser tão antigo, alguns dos argumentos apresentados já não sejam agora sustentados pela Torre de Vigia. Mas como desde então não foi publicado nenhuma revisão e nem um outro livro que aborde o assunto, conclui que os argumentos do livro ainda são considerados válidos pelos autores (Posteriormente foi lançado o livro Existe um criador que se importa com você?, 1998, e a brochura A origem da vida – cinco perguntas que merecem resposta, 2010, mas esses dedicam-se a tratar da origem da vida).
Todo um capítulo do livro Criação foi dedicado à tentativa de provar que é um erro científico concluir que a mutação genética é um fator fundamental para a evolução dos seres vivos.
Os parágrafos iniciais sugerem que os autores tiveram acessos a obras que lhes explicaram com clareza como as mutações são fundamentais para a evolução.
Robert Jastrow indicou a necessidade de “lento acúmulo de mutações favoráveis”.4 Adicionou Carl Sagan: “As mutações — alterações súbitas na hereditariedade — procriam a verdade. Fornecem a matéria-prima da evolução. O ambiente seleciona algumas mais propícias à sobrevivência, resultando em uma série de transformações lentas [d]e uma forma de vida para outra, a origem de novas espécies.”  [...] Qual é a origem das mutações? Julga-se que a maioria delas ocorra no processo normal de reprodução celular. Experimentos, porém, demonstraram que também podem ser provocadas por agentes externos, tais como a radiação e substâncias químicas. E com que freqüência ocorrem? A reprodução do material genético na célula goza de notável coerência. Falando-se de modo relativo e levando-se em conta o número de células que se dividem em algo vivo, as mutações não são mui freqüentes. Como comentou a Encyclopedia Americana, a reprodução “das cadeias de ADN que compõem um gene é notavelmente exata. Constituem acidentes raros as reproduções ou cópias erradas”. (Criação, páginas 99, 100). 

“São Úteis ou Nocivas?
A partir deste ponto, debaixo do subtítulo São Úteis ou Nocivas?, os autores escolhem o primeiro assunto a atacar. Vejamos como se sairão.
Caso as mutações benéficas sejam uma base para a evolução, qual é a proporção em que ocorrem as benéficas? Existe esmagador acordo entre os evolucionistas sobre este ponto. Carl Sagan, por exemplo, declara: “A maioria delas é perigosa ou letal.” Peo Koller se pronuncia: “A maior proporção de mutações são deletérias para o indivíduo que leva o gene mutante. Em experiências, verificou-se que, para cada mutação bem-sucedida ou útil, há muitos milhares que são prejudiciais.”
Excluindo-se quaisquer mutações “neutras”, então, as prejudiciais ultrapassam em número as supostamente benéficas na proporção de mil para uma. “Tais resultados são de se esperar das mudanças acidentais que ocorrem em qualquer organização complexa”, declara a Encyclopædia Britannica. É por isso que se diz que as mutações são responsáveis por centenas de doenças geneticamente determinadas.
Devido à natureza nociva das mutações, reconhecia a Encyclopedia Americana: “Parece difícil de reconciliar o fato de que a maioria das mutações são prejudiciais ao organismo com o conceito de que as mutações são a fonte de matérias-primas para a evolução. Deveras, os mutantes ilustrados nos compêndios de biologia são uma coleção de aleijões e monstruosidades, e a mutação parece ser um processo destrutivo, em vez de construtivo.”Quando insetos mutantes foram postos a competir com os normais, o resultado sempre foi o mesmo. Como G. Ledyard Stebbins observou: “Depois de um número maior ou menor de gerações, os mutantes são eliminados.” Não conseguiam competir, porque não se aprimoravam, mas degeneravam e ficavam em desvantagem.
Em seu livro, The Wellsprings of Life (Os Mananciais da Vida), admitiu o escritor de assuntos científicos Isaac Asimov: “A maioria das mutações é para pior.” Entretanto, em seguida asseverou: “A longo prazo, certamente, as mutações fazem com que o curso da evolução avance e ascenda.” (Criação, página 100, 101)
Diante das várias citações a que os autores recorreram, fica evidente que eles compreenderam exatamente qual é o papel das mutações na evolução dos seres vivos, embora, é claro, foram reticentes o suficiente para não permitir que os seus leitores tirassem as conclusões das próprias citações. Feito isso, logo adiante começa-se a construir um boneco de palha de aparência grotesca, uma completa distorção do sentido de mutação conforme apresentado pelos especialistas citados.
Mas, fazem mesmo? Seria considerado benéfico qualquer processo que resultasse em dano em mais de 999 de cada 1.000 casos? Se quisesse construir uma casa, contrataria um construtor que, para cada obra correta apresentasse mil defeituosas? Se um motorista, ao dirigir, fizesse mil decisões erradas para cada decisão boa, desejaria viajar no carro dele? Se um cirurgião, ao operar, fizesse milhares de atos cirúrgicos errados para cada correto, gostaria que ele o operasse? (Criação, página 101).
Daí, na habitual forma de reforçar um conceito, as primeiras imagens do capítulo são justamente para reforçar a falácia do boneco de palha.


Mas incontáveis exemplos poderiam ser usados para expressar com clareza o sentido de mutações, sem recair em falácias. Muitas das nossas melhores escolhas na vida, seja em que sentido, foram feitas depois de muitas escolhas erradas. Milhares de empresas pelo mundo inteiro têm ótimos funcionários, mas isso só foi conseguido às custas de um longo processo seletivo e experiências com funcionários que foram danosos a essas empresas. E para usar a própria argumentação falaciosa da Torre de Vigia, podemos usufruir de bons construtores, bons motoristas e bons médicos apenas porque o mercado trabalhista é impiedoso  e implacável em seu processo de excluir maus profissionais.


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Em seguida, a Torre de Vigia cita o geneticista Theodosius Dobzhanskyc, cujas palavras são usadas para realçar a anterior falácia. Vejamos.
Disse certa vez o geneticista Dobzhansky: “Dificilmente se pode esperar que um acidente, uma mudança ocasional, em qualquer mecanismo delicado, o aprimore. Enfiar alguém uma vareta no mecanismo do seu relógio, ou no seu conjunto de som, raramente o faria funcionar melhor.” Assim, pergunte a si mesmo: Parece razoável que todas as células, órgãos, membros e processos surpreendentemente complexos que existem nas coisas vivas tenham sido aprimorados por um processo destrutivo? (Criação, página 101, 102; o itálico é dos autores).
...E uma imagem para reforçar o conceito é quase que previsível.


Mas espere. Foi exatamente isso que disse Dobzhansky? Veja abaixo as palavras de Dobzhansky em seu contexto:
...o inusitado da maioria das mutações é exatamente o que poderia ser razoavelmente esperado. De fato, a maquinaria genética de uma espécie viva, seu genótipo, é requintadamente ajustado ao ambiente em que vive esta espécie. Dificilmente se pode esperar que um acidente, uma mudança ocasional, em qualquer mecanismo delicado, o aprimore. Enfiar alguém uma vareta no mecanismo do seu relógio, ou no seu conjunto de som, raramente o faria funcionar melhor... .Se o ambiente em que uma população vive permanece razoavelmente constante durante muito tempo, então a maioria das mutações úteis serão estabelecidas como a norma adaptativa, e a maioria ou todas as mutações que surgem serão prejudiciais. Se o ambiente mudar, algumas das mutações podem tornar-se vantajosas, serão perpetuadas pela seleção natural e, eventualmente, podem substituir a espécie ancestral (Hereditariedade e a Natureza do Homem, de Theodosius Dobzhanskyc, página 126, em inglês).

Percebeu por que as palavras de Dobzhanskyc pareciam servir bem aos interesses da Torre de Vigia? Elas foram ditas apenas para salientar o ponto abordado no contexto, que era a evolução dos seres vivos por se adaptarem ao ambiente em que vivem não por escolha deles, mas por seleção natural; mas tiradas do contexto, elas perdem totalmente o sentido original.

“Produzem as Mutações Algo Novo?”
A seguir, em um novo subtópico, os autores passam a considerar que as mutações restringem-se a produzir variedades entre as espécies (microevolução), mas que jamais são capazes de produzir novas espécies (macroevolução).
Mesmo que todas as mutações fossem benéficas, poderiam produzir algo novo? Não, não poderiam. Uma mutação só poderia resultar em uma variação duma característica já existente. Ela produz variedade, mas nunca algo novo.
Um exemplo do que poderia acontecer com uma mutação benéfica nos é dado por The World Book Encyclopedia: “Uma planta numa área seca poderia ter um gene mutante que a fizesse criar raízes maiores e mais fortes. A planta teria melhor probabilidade de sobreviver do que outras de sua espécie, porque suas raízes poderiam absorver mais água.” Mas, surgiu algo novo? Não, ainda se trata da mesma planta. Não evoluiu em outra coisa.
As mutações podem alterar a cor ou a textura dos cabelos duma pessoa. Mas, seus cabelos serão sempre cabelos. Jamais se transformarão em penas. A mão duma pessoa pode ser alterada por mutações. Pode apresentar dedos anormais. Por vezes, talvez surja até a mão de seis dedos, ou alguma outra malformação congênita. Mas será sempre mão. Jamais se transformará em outra coisa. Nada de novo está vindo a existir, nem poderá vir (Criação, páginas 102, 103).
A Torre de Vigia não podia estar mais errada em sua conclusão. Devido a uma mutação, a árvore poderia ter uma raiz maior e mais forte em apenas uma geração. Mas multiplique isso por muitos milhares de gerações dessa árvore no percurso de milhões de anos de processo seletivo devido a mudanças ambientais. Feito isso e colocado lado a lado ambas as árvores, talvez se verifique que uma árvore frondosa transformou-se num pequeno arbusto, ou vice-versa, e são irreconhecíveis quanto ao fato de que um dia foram uma mesma espécie.
As declarações abaixo, extraídas da citação anterior, merecem atenção.
As mutações podem alterar a cor ou a textura dos cabelos duma pessoa. Mas, seus cabelos serão sempre cabelos. Jamais se transformarão em penas.
A Torre de Vigia usou exemplos de pessoas, mas poderia ter usado exemplo de animais. Por que não o fez? A razão talvez seja porque seria um argumento facilmente contestado, em razão de que, dentre os animais, há incontáveis exemplos de espécies de um mesmo gênero, enquanto que, dentre os humanos, nós somos atualmente a única espécie do gênero homo.
Tomemos, por exemplo, as várias espécies de animais do gênero Vulpes, que recebem o nome genérico de raposas. À primeira vista, podemos supor que são apenas raposas, que se diferenciam apenas pela cor da pelagem ou por alguns centímetros de comprimento... e no entanto são reconhecidamente espécies diferentes, incapazes de gerar descendentes férteis quando cruzam entre si.  Além de compartilharem muitos detalhes na aparência física, o acentuado parentesco genético é indicativo de que um dia, há muitos milhares de anos, foram todas uma só população de raposa, até que o isolamento geográfico, resultado de migrações de diversos grupos, resultou em diversas populações acumularem tantas mutações que culminou também no isolamento reprodutivo.
A meio caminho neste processo está a raposa-das-ilhas, que habita seis das oito ilhas do Canal da Califórnia. 


Trata-se de uma única espécie de raposa, visto que o isolamento reprodutivo ainda não é observado; mas nota-se já o acúmulo de mutações genéticas entre as seis populações, cada uma em sua respectiva ilha, de modo que já são consideradas seis subespécies. Permanecendo o isolamento geográfico, no decurso de um tempo verificar-se-á também o isolamento reprodutivo, quando então se poderá dizer que as mutações ‘produziram algo novo’.  A Torre de Vigia reconhece que uma mutação pode, quando muito, mudar a cor do cabelo de uma pessoa, mas jamais fazer cabelo se transformar em penas. Mas não é preciso tanto. Com muito menos terrorismo científico e mais análise honesta dos fatos – e tempo –, podemos presenciar com deleite o processo evolutivo que leva à formação de novas espécies. E a raposa-das-ilhas, composta de seis subespécies, candidamente nos acena ao exame.

Experiências laboratoriais com mosca-das-frutas
No subtópico seguinte, a Torre de Vigia considera que foram frustradas todas as tentativas de fazer melhorias genéticas a partir de experiências laboratoriais com a mosca-das-frutas. Afirma que todas as mutantes resultantes dessas experiências resultaram ser inferiores às moscas normais. Não tenho conhecimento de outras fontes sobre quais eram os objetivos dessas experiências, mas posso dizer com certeza que o resultado obtido foi o que hoje se podia esperar. Mutações desvantajosas é a ordem do dia em praticamente todas as espécies de seres vivos. Todo dia, aos milhares, são concebidas crianças com defeitos genéticos, muitos dos quais resultarão em deformações físicas monstruosas; por essa razão, muitas nascerão mortas ou morrerão antes de chegarem à idade adulta. Outras doenças genéticas não podem ser percebidas fisicamente, mas são igualmente reais, e considerável número delas levarão à morte em fase fetal ou depois do nascimento. Incontáveis mutações, porém, são inócuas, não produzindo nenhum efeito deletério ao ser vivo, e pouquíssimas são vantajosas.
Nada disso, porém, é novidade para a Torre de Vigia. Ainda assim, ela não pôde deixar de recorrer à experiência com mosca-das-frutas para transmitir aos seus leitores um conceito deturpado do que é de fato o melhoramento genético dos seres vivos, que podem, por fim, levar ao surgimento de novas espécies.
Neste ponto, vale relembrar os argumentos falaciosos da Torre de Vigia para contestar o conceito científico de que mutações contribuem significativamente para a evolução dos seres vivos. Contrário à proposta da Torre de Vigia, de que não faz nenhum sentido jogar a sorte com um mau arquiteto, um mal motorista e um mal médico, os seres vivos são submetidos a todas as mutações possíveis, sem nenhuma escolha, e de fato é como se escolhessem ao acaso um arquiteto qualquer, um motorista qualquer e um médico qualquer; mas como explicitei nos parágrafos anteriores, quase todas as mutações desvantajosas são rapidamente descartadas em razão de que quem as possuem geralmente morre antes de chegar à idade reprodutiva. Por outro lado, as mutações que de alguma forma beneficiam a espécie geralmente são passadas para gerações seguintes, e os indivíduos que as possuem gradualmente se tornarão a maioria, ao passo que os que não as possuem diminuem e tendem à extinção. Por exemplo, a árvore citada pela Torre de Vigia, cuja mutação faz que tenha raiz mais forte e mais profunda, tem mais chances de sobreviver a verões severos e ventos fortes e pode passar adiante o seu gene mutante, ao passo que árvores dessa mesma espécie, que não possuem o gene mutante, tenderão para a extinção.

A mariposa pontilhada
A seguir, o livro Criação aborda outros três exemplos de microevolução, que, do ponto de vista da Torre de Vigia, não é evolução de fato, uma vez que os casos tratados não resultam de fato em novas espécies.
O primeiro caso é da mariposa de Manchester (Biston betularia) ou mariposa pontilhada. Trata-se de duas variedades de uma mesma espécie de mariposa, uma de cor escura e outra de cor clara. Por ocasião do início da Revolução Industrial, a variedade de cor clara formava a grande maioria desta espécie de mariposa, visto que, quando sentada nas árvores, as de cor escura eram mais facilmente vistas pelos pássaros e se tornavam presas fáceis. Porém, depois de avançada a Revolução Industrial, a poluição escureceu o caule das árvores, o que inverteu a situação para as mariposas. Logo depois disso foram as mariposas de cor clara que diminuíram, ao passo que as escuras aumentaram.


A Torre de Vigia então conclui:
Mas, estava a mariposa pontilhada evoluindo em algum outro tipo de inseto? Não, ainda era exatamente a mesma mariposa pontilhada, tendo apenas diferente cor. Assim, a revista médica inglesa, On Call (De Plantão), referiu-se ao emprego deste exemplo para tentar provar a evolução como “notório”. Declarava: “Trata-se de excelente demonstração da função da camuflagem, mas, visto que começa e termina com mariposas, e não se forma nenhuma espécie nova, é bem irrelevante como evidência a favor da evolução.” (Criação, páginas 106, 107).
A negativa continua nos parágrafos seguintes, quando traz à baila o caso de bactérias expostas a antibióticos e insetos expostos a inseticida. O fato de um antibiótico gradualmente tornar-se menos eficaz contra algum tipo de bactérias é tomado como evidência de que algumas bactérias sofreram mutações e que agora há duas linhagens de bactérias. Igualmente, os inseticidas invariavelmente não são eficazes contra todas as espécies de insetos e, ao exterminarem uma espécie, acabam por revelar outra contra a qual faz pouco ou nenhum efeito. Nestes três casos analisados, fica claro que uma mudança no ambiente faz com que algumas espécies de seres vivos ou variedades deles sejam selecionados em detrimentos de outros, e o quesito para isso é a capacidade de cada espécie de sobreviver ao ambiente em transformação. Mas em todos esses casos, a Torre de Vigia considera que não se trata de evolução, pois os seres vivos analisados não estão evoluindo para espécies diferentes. Isto se dá, porém, apenas porque o surgimento de novas espécies não ocorre abruptamente, diante de nossos olhos, mas são resultados de mutações cumulativas decorrentes de longo período de tempo. Por exemplo, foi uma mutação que criou a variedade escura da mariposa de Manchester, e esta mutação, pela época da Revolução Industrial, favoreceu esta variedade mutante em detrimento da variedade clara. É verdade que continua mariposa, mas o processo evolutivo começa assim, em pequena escala.

“Segundo as suas espécies”
Debaixo do subtópico “Segundo as suas espécies”, a Torre de Vigia novamente distorce conceitos científicos para contestar a teoria da evolução. 
A mensagem mais uma vez confirmada pelas mutações é a fórmula de Gênesis, capítulo 1: As coisas vivas só se reproduzem “segundo as suas espécies”. A razão disso é que o código genético impede uma planta ou animal de desviar-se muito da média. Pode haver grande variedade (como se pode ver, por exemplo, entre os humanos, os gatos ou os cães), mas não tanta que uma coisa viva pudesse transformar-se em outra. Todo experimento realizado com as mutações prova isto. Também comprovada é a lei da biogênese, de que a vida só procede de outra vida preexistente, e que o organismo genitor e sua descendência são da mesma “espécie”. (Criação, páginas 107, 108).
“O código genético impede uma planta ou animal de desviar-se muito da média” apenas se a população for de tamanho considerável e se não houver nenhuma mudança ambiental que selecione um ou outro mutante da espécie. Em uma grande população de ratos, por exemplo, uns poucos mutantes sem rabos tendem à extinção, visto que o cruzamento destes com não mutantes tende a eliminar o gene mutante. Mas se houver uma drástica redução da população de ratos, o acaso pode fazer que os mutantes, por alguma razão, embora também possam estar entre os que diminuíram de números, correspondam agora a uma porcentagem maior e podem propagar-se tanto ao ponto de se tornarem a maioria da população, enquanto que os não mutantes, os ratos com rabos, passam a encaminhar-se para a extinção. Para este caso, serve como exemplo a mariposa de Manchester, cuja catástrofe foi a Revolução Industrial. Entre os humanos, pode-se citar o caso da gripe espanhola do século passado, que exterminou uma porção considerável da população europeia. Naquela época, a porcentagem de indivíduos com um gene mutante qualquer pode ter sido drasticamente alterada, para mais ou para menos, com a drástica redução da população. Mais recentemente temos o caso da Aids, cujo vírus, uma vez contraído, pode levar à morte do indivíduo, embora já exista medicamentos capazes de mantê-lo inativo no organismo. É de nosso interesse, neste caso, que 1 em cada 200 infectados mostra-se imune ao vírus. Isso corresponde a 0,5% da população humana (pouco mais de 35 milhões de pessoas), mas se, por infelicidade nossa, a Aids alastra-se pelo mundo e dizimar considerável parte da população não imune, os cerca de 35 milhões de imunes comporão uma porcentagem maior de indivíduos e mais facilmente poderão passar adiante o gene salvador. Não só isso, mas também toda e qualquer característica predominante que possuem, como cor da pele, altura, etc. Teríamos assim uma humanidade evoluída, e não necessariamente, para melhor, como sugere o vocábulo “evolução”.  No caso especifico, o gene que causa imunidade ao vírus da Aids também pode causar doenças autoimunes.
Pode haver grande variedade (como se pode ver, por exemplo, entre os humanos, os gatos ou os cães), mas não tanta que uma coisa viva pudesse transformar-se em outra.
O caso da raposa-das-ilhas desmente este conceito. Diante dos nossos olhos, as subespécies de raposas estão a evoluir para espécies diferentes, assim como ocorreu com a ancestral de todas as espécies de raposas agora existentes.
Também comprovada é a lei da biogênese, de que a vida só procede de outra vida preexistente, e que o organismo genitor e sua descendência são da mesma “espécie”.
A Torre de Vigia faz uma confusão proposital ao negar que uma espécie pode gerar um ser de outra espécie, como, por exemplo, uma galinha parir filhotes de coelho ou uma girafa parir rinoceronte. Não existe este conceito na teoria da evolução.  O processo evolutivo que resulta no surgimento de novas espécies é demasiadamente fácil de se explicar, sem nenhuma necessidade de se recorrer a bizarrices de tal natureza.
Para efeito de ilustração, tome o caso das espécies de raposas do gênero Vulpes. Estas raposas são de espécies diferentes; isso precisa ficar bem claro, uma vez que a Torre de Vigia costuma usar o termo “variedades” em vez de “espécies”, de modo a lhe facilitar o ataque ao conceito de evolução das espécies. Como está ocorrendo com o caso da raposa-das-ilhas, em que uma população de raposas evolui para seis outras espécies, as espécies de raposas do gênero Vulpes foram um dia uma só espécie. Recorrendo ao termo “variedades”, a Torre de Vigia pode dizer que não houve evolução de uma espécie em diversas outras, uma vez que continuam sendo raposas. O Termo “variedades” é igualmente usado para se referir às diversas raças de cães e gatos. Nesses dois casos o termo “variedades” é apropriado, mas não no caso das raposas. Usá-lo indiscriminadamente serve ao único propósito de confundir o leitor, coisa que a Torre de Vigia faz muito bem, e isso ficará evidente no próximo subtópico.

Em suas próximas palavras, a Torre de Vigia nos trás de enxurrada todo tipo de declarações absurdas a respeito do assunto em análise. Não tive acesso ao contexto das palavras copiadas da revista Scientific American, mas descobri que se trata de um artigo de 7 páginas intitulado The Genetic Control of the Shape of a Virus, cuja autoria é do prestigiado Professor Edouard Kellenberger e tenho minhas dúvidas se as palavras dele foram copiadas de acordo com o contexto.
Assim é que o livro Molecules to Living Cells (De Moléculas Para Células Vivas) declara: “As células duma cenoura ou do fígado dum camundongo retêm coerentemente seu tecido respectivo e identidades de organismo, depois de incontáveis ciclos de reprodução.”E a obra Symbiosis in Cell Evolution (A Simbiose na Evolução Celular) afirma: “Toda a vida . . . reproduz-se com incrível fidelidade.” A revista Scientific American (Americano Científico) também observa: “As coisas vivas são tremendamente diversas em sua forma, mas a forma é de uma constância notável no âmbito de qualquer linha específica de descendência: os porcos continuam sendo porcos, e os carvalhos continuam sendo carvalhos, geração após geração.” E um certo escritor sobre ciência comentou: “Os roseirais sempre florescem com rosas, jamais com camélias. E as cabras dão à luz cabritinhos, jamais a carneiros.” Concluiu que as mutações “não podem explicar a evolução geral — por que existem peixes, répteis, aves, e mamíferos”. (Criação, páginas 109, 110).
As palavras que sublinhei acima mostram até onde a Torre de Vigia está disposta a ir em busca de apoio às suas crenças. As palavras revelam um completo desconhecimento do conceito geral da evolução das espécies – ou talvez não!  Pode, quem sabe, tratar-se apenas de desonestidade intelectual do autor que foi gulosamente comprada pela Torre de Vigia. Concluir que as mutações não podem explicar porque existem peixes, répteis, aves, e mamíferos é uma conclusão que qualquer um pode ter, mas um mínimo de leitura de material sério a respeito do assunto pode mostrar que não existe nenhum fundamento na conclusão tomada.
Tome, por exemplo, uma espécie qualquer de animal; digamos: raposa-das-ilhas. Juntamente com a raposa-cinzenta, ela compõe o gênero Urocyon; ambas as raposas compuseram um dia uma só espécie, mas agora estão isoladas reprodutivamente. As mais de 30 espécies de raposas conhecidas estão classificadas em oito gêneros, que foram, cada um deles, em algum tempo não tão remoto, uma só espécie. Estes oito gêneros com mais diversos outros compõem a família dos canídeos, cujo processo evolutivo segue o mesmo exemplo já demostrado em parágrafos anteriores, sem saltos evolutivamente grosseiros. As semelhanças físicas e genéticas entre os animais de todos esses gêneros sugerem que foram uma vez uma única espécie.
No entanto, é possível perceber que quanto mais aumentamos o grupo, as diferenças entre os grupos componentes também aumentam. Isso indica que quanto maiores são as diferenças, mais remota foi a época em que os animais formavam uma só espécie.
A família dos canídeos com mais diversas outras formam a imensa ordem dos carnívoros, que estão divididos em dois grandes grupos: Feliformia e Caniformia. No primeiro grupo temos os felídeos, bem como o grupo das hienas, o grupo dos mangustos e suricatas e outros. No segundo grupo encontra-se a família dos canídeos, dos ursídeos, bem como também os grupos das focas, das morsas, etc.
O que todos esses animais têm em comum é que são mamíferos. Por isso estão inclusos no grande grupo dos mamíferos, cujas ordens estão divididas em marsupiais e placentários.  Recuando mais ainda, chega-se ao filo dos cordados, que incluem todos os vertebrados. É neste grupo que podemos incluir os “peixes, répteis, aves, e mamíferos”, que compartilham entre si diversas características básicas, além de serem vertebrados. Isso sugere que o grupo dos vertebrados foram um dia uma só espécie e que vivia na água como peixes pulmonados.
Parte da espécie se tornou os anfíbios, enquanto outra parte permaneceu aquática e os peixes de hoje são seus descendentes. Desenvolvendo maior proteção contra a perda de líquido, parte dos anfíbios passou a permanecer cada vez mais em terra e se tornaram os répteis, dentre os quais os grandes dinossauros. Enquanto ainda existia os grandes dinossauros, parte dos répteis desenvolveu seus membros posteriores para usar como asas e se tronou as aves. Outra parte, formada por répteis menores, desenvolveu glândulas mamárias e se tornou os mamíferos, que permaneceram pequeninos até cerca de 70 milhões de anos, por ocasião da extinção dos dinossauros. Na água, os cetáceos (mamíferos aquáticos) parecem demasiadamente deslocados em relação à imensidão de peixes com muitos milhares de espécies. Isto se dá porque os cetáceos são animais que evoluíram a partir de mamíferos terrestres. Além dos cetáceos, cujos parentes terrestres mais próximos são os artiodátilos, outros mamíferos de diferentes ancestrais também estão a evoluir para viver no mar (processo conhecido como convergência evolutiva). Dentre esses pode-se citar o peixe-boi, urso-polar, lontra-marinha, leão-marinho, além da foca e morsa.
Ao contrário do que apregoa a Torre de Vigia e demais criacionistas, o processo evolutivo exposto no parágrafo anterior não é puramente especulativo. Todo ele está devidamente documentado no registro fóssil, pois, como era esperado, nas camadas geológicas devidamente datadas, de baixo para cima, surgem primeiro os vertebrados aquáticos, seguido de anfíbios e, após estes, os répteis. Mamíferos e aves são contemporâneos dos dinossauros, mas somente após a extinção destes é que surgem mamíferos maiores. Nunca se encontrou fóssil de dinossauro em camadas pertencentes a mamíferos maiores e não há mamífero em camada geológica inferior à dos anfíbios.
Para contestar o registro fóssil, a Torre de Vigia restringe-se a questionar as datações e nega veemente que exista elo de ligação que confirme o processo evolutivo (isso será assunto de futuro artigo aqui no blog). Para tal, apoia-se fartamente em autoridades que questionam a evolução das espécies, que, evidentemente, nunca irão faltar.

Os tentilhões de Darwin
Agora os autores do livro Criação voltam-se para os tentilhões de Darwin. A esse respeito, é vital prestar atenção no uso da palavra “variedade”, pois nela é que está a cilada que os autores montaram.
A questão da variedade no âmbito da espécie explica algo que influenciou o modo original de pensar de Darwin sobre a evolução. Quando estava na ilha de Galápagos, observou certo tipo de ave chamado tentilhão. Estas aves eram do mesmo tipo que sua espécie progenitora do continente sul-americano, de onde, pelo visto, emigraram. Mas havia curiosas diferenças, tais como no formato do bico. Darwin interpretou isto como a evolução em progresso. Mas, em realidade, nada mais era do que outro exemplo de variação no âmbito da espécie, permitida pela constituição genética do animal. Os tentilhões ainda continuavam sendo tentilhões. Não se transformavam em outra coisa, e jamais se transformariam (Criação, página 110).
Os tentilhões de Darwin e a conclusão cientifica de que eles atestam a evolução são alvos de intensa crítica por parte de páginas criacionistas. Esta, por exemplo, recorre ao mesmo artifício da Torre de Vigia quando usa o termo “variedades” para se referir aos tentilhões de Galápagos. Esta outra admite microevolução, mas nega com veemência a macroevolução – apesar de que, com muita inocência, espalha pelo texto mais de uma evidência a atestar a ignorância do autor quanto ao assunto que discorre.
Quando a Torre de Vigia faz uso da palavra “variedade” para se referir aos tentilhões de Darwin, ela transmite um conceito errado sobre essas aves, pois não se trata de variedades, tal como é o caso das raças de cães e gatos. Os tentilhões de Galápagos realmente evoluíram em espécies diferentes. Sabe-se isso porque eles já foram descritos e catalogados e pode-se citá-los diretamente por seus nomes científicos, dentre os quais seguem alguns:
Geospiza conirostris
Geospiza difficilis
Geospiza fortis
Geospiza fuliginosa
Geospiza magnirostris
Geospiza scandens
A nomenclatura binominal, em latim e com destaque, foi adotada entre os cientistas para facilitar a comunicação entre eles, visto que usar o nome popular da ave, que varia de região para região, causava muita confusão. A Torre de Vigia, além de recorrer ao famigerado termo “variedades”, evitou fazer uso do nome científico das aves, uma vez que isso denunciaria a um leitor mais atento de que tais aves eram verdadeiramente diferentes espécies, não apenas “variedades” ou raças.


Nomes científicos atestam que os tentilhões de 
Galápagos são espécies diferentes, não apenas variedades. 


Os tentilhões ainda continuavam sendo tentilhões. Não se transformavam em outra coisa, e jamais se transformariam.
É verdade que os tentilhões de Galápagos continuam sendo tentilhões assim como eram os seus ancestrais do continente. Mas essa declaração só parece fazer sentido porque se faz uso do nome popular em vez dos nomes científicos. Para mostrar o quanto isso é inapropriado, troquemos tentilhões por macacos. A Torre de Vigia podia dizer que macacos se diferem em tamanho e cor da pelagem, mas continuam sendo macacos; mas não o faz porque dificilmente poderá convencer a algum leitor de que uma fêmea de sagui-pigmeu é da mesma espécie que um macho gorila.

E assim conclui a Torre de Vigia:
Assim, o que Gênesis afirma acha-se em plena harmonia com os fatos científicos. Quando planta sementes, elas produzem somente “segundo as suas espécies”, de modo que pode plantar uma horta com confiança na fidedignidade de tal lei. Quando gatos procriam, sua prole é sempre de gatos. Quando os humanos se tornam pais, seus filhos são sempre humanos. Há variação na cor, no tamanho e na forma, mas sempre dentro dos limites da espécie. Já viu pessoalmente algum caso diferente? Nem foi visto por outros (Criação, página 110).



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