O livro A
Vida – Qual a sua origem? A evolução ou a criação? foi um dos livros da
Torre de Vigia que mais me fascinou quando eu era Testemunha de Jeová.
Mas o que se dará, porém, se este livro for
lido com mente aberta, sem convicção de que os autores são dirigidos
diretamente por Deus quando discorrem sobre um assunto tão crucial para a
crença deles quanto a evolução dos seres vivos?
Neste recesso de fim de ano, sem nada do que
fazer aqui por casa, fui à minha estante e li partes do livro Criação, e olha
só! Virou artigo.
Para começar, vamos às definições sobre o que é
mutação.
Os evolucionistas afirmam que várias alterações verificadas no interior do núcleo da célula desempenham sua parte [na evolução dos seres vivos]. E, dentre estas, destacam-se as mudanças “acidentais” conhecidas como mutações. Crê-se que as partes específicas envolvidas nestas alterações mutacionais sejam os genes e os cromossomos das células sexuais, uma vez que as mutações neles verificadas podem ser transmitidas aos descendentes (Criação, página 99).
Para um exame mais detalhado sobre o que é a
mutação genética veja este link.
Para a Torre de Vigia e outras religiões
criacionistas, a evolução dos seres vivos só ocorre de fato se houver o
surgimento de novas espécies (macroevolução); alterações de características dos
seres vivos (microevolução), como um animal mudar a cor da pele ou o tamanho
das orelhas, não é evolução.
O livro Criação foi escrito em 1985, de modo
que considerei a possibilidade de que, em razão de ser tão antigo, alguns dos
argumentos apresentados já não sejam agora sustentados pela Torre de Vigia. Mas
como desde então não foi publicado nenhuma revisão e nem um outro livro que
aborde o assunto, conclui que os argumentos do livro ainda são considerados
válidos pelos autores (Posteriormente foi lançado o livro Existe um criador que se importa com você?, 1998, e a brochura A origem da vida – cinco perguntas que
merecem resposta, 2010, mas esses dedicam-se a tratar da origem da vida).
Todo um capítulo do livro Criação foi dedicado
à tentativa de provar que é um erro científico concluir que a mutação genética
é um fator fundamental para a evolução dos seres vivos.
Os parágrafos iniciais sugerem que os autores
tiveram acessos a obras que lhes explicaram com clareza como as mutações são
fundamentais para a evolução.
Robert Jastrow indicou a necessidade de “lento acúmulo de mutações favoráveis”.4 Adicionou Carl Sagan: “As mutações — alterações súbitas na hereditariedade — procriam a verdade. Fornecem a matéria-prima da evolução. O ambiente seleciona algumas mais propícias à sobrevivência, resultando em uma série de transformações lentas [d]e uma forma de vida para outra, a origem de novas espécies.” [...] Qual é a origem das mutações? Julga-se que a maioria delas ocorra no processo normal de reprodução celular. Experimentos, porém, demonstraram que também podem ser provocadas por agentes externos, tais como a radiação e substâncias químicas. E com que freqüência ocorrem? A reprodução do material genético na célula goza de notável coerência. Falando-se de modo relativo e levando-se em conta o número de células que se dividem em algo vivo, as mutações não são mui freqüentes. Como comentou a Encyclopedia Americana, a reprodução “das cadeias de ADN que compõem um gene é notavelmente exata. Constituem acidentes raros as reproduções ou cópias erradas”. (Criação, páginas 99, 100).
“São Úteis ou Nocivas?”
A partir deste ponto, debaixo do subtítulo São Úteis ou Nocivas?, os autores
escolhem o primeiro assunto a atacar. Vejamos como se sairão.
Caso as mutações benéficas sejam uma base para a evolução, qual é a proporção em que ocorrem as benéficas? Existe esmagador acordo entre os evolucionistas sobre este ponto. Carl Sagan, por exemplo, declara: “A maioria delas é perigosa ou letal.” Peo Koller se pronuncia: “A maior proporção de mutações são deletérias para o indivíduo que leva o gene mutante. Em experiências, verificou-se que, para cada mutação bem-sucedida ou útil, há muitos milhares que são prejudiciais.”
Excluindo-se quaisquer mutações “neutras”, então, as prejudiciais ultrapassam em número as supostamente benéficas na proporção de mil para uma. “Tais resultados são de se esperar das mudanças acidentais que ocorrem em qualquer organização complexa”, declara a Encyclopædia Britannica. É por isso que se diz que as mutações são responsáveis por centenas de doenças geneticamente determinadas.
Devido à natureza nociva das mutações, reconhecia a Encyclopedia Americana: “Parece difícil de reconciliar o fato de que a maioria das mutações são prejudiciais ao organismo com o conceito de que as mutações são a fonte de matérias-primas para a evolução. Deveras, os mutantes ilustrados nos compêndios de biologia são uma coleção de aleijões e monstruosidades, e a mutação parece ser um processo destrutivo, em vez de construtivo.”Quando insetos mutantes foram postos a competir com os normais, o resultado sempre foi o mesmo. Como G. Ledyard Stebbins observou: “Depois de um número maior ou menor de gerações, os mutantes são eliminados.” Não conseguiam competir, porque não se aprimoravam, mas degeneravam e ficavam em desvantagem.
Em seu livro, The Wellsprings of Life (Os Mananciais da Vida), admitiu o escritor de assuntos científicos Isaac Asimov: “A maioria das mutações é para pior.” Entretanto, em seguida asseverou: “A longo prazo, certamente, as mutações fazem com que o curso da evolução avance e ascenda.” (Criação, página 100, 101)
Diante das várias citações a que os autores recorreram,
fica evidente que eles compreenderam exatamente qual é o papel das mutações na
evolução dos seres vivos, embora, é claro, foram reticentes o suficiente para
não permitir que os seus leitores tirassem as conclusões das próprias citações.
Feito isso, logo adiante começa-se a construir um boneco de palha de aparência
grotesca, uma completa distorção do sentido de mutação conforme apresentado
pelos especialistas citados.
Mas, fazem mesmo? Seria considerado benéfico qualquer processo que resultasse em dano em mais de 999 de cada 1.000 casos? Se quisesse construir uma casa, contrataria um construtor que, para cada obra correta apresentasse mil defeituosas? Se um motorista, ao dirigir, fizesse mil decisões erradas para cada decisão boa, desejaria viajar no carro dele? Se um cirurgião, ao operar, fizesse milhares de atos cirúrgicos errados para cada correto, gostaria que ele o operasse? (Criação, página 101).
Daí, na habitual forma de reforçar um conceito,
as primeiras imagens do capítulo são justamente para reforçar a falácia do
boneco de palha.
Mas incontáveis exemplos poderiam ser usados
para expressar com clareza o sentido de mutações, sem recair em falácias.
Muitas das nossas melhores escolhas na vida, seja em que sentido, foram feitas
depois de muitas escolhas erradas. Milhares de empresas pelo mundo inteiro têm
ótimos funcionários, mas isso só foi conseguido às custas de um longo processo
seletivo e experiências com funcionários que foram danosos a essas empresas. E
para usar a própria argumentação falaciosa da Torre de Vigia, podemos usufruir
de bons construtores, bons motoristas e bons médicos apenas porque o mercado
trabalhista é impiedoso e implacável em
seu processo de excluir maus profissionais.
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Em seguida, a Torre de Vigia cita o geneticista
Theodosius Dobzhanskyc, cujas palavras são usadas para realçar a anterior falácia.
Vejamos.
Disse certa vez o geneticista Dobzhansky: “Dificilmente se pode esperar que um acidente, uma mudança ocasional, em qualquer mecanismo delicado, o aprimore. Enfiar alguém uma vareta no mecanismo do seu relógio, ou no seu conjunto de som, raramente o faria funcionar melhor.” Assim, pergunte a si mesmo: Parece razoável que todas as células, órgãos, membros e processos surpreendentemente complexos que existem nas coisas vivas tenham sido aprimorados por um processo destrutivo? (Criação, página 101, 102; o itálico é dos autores).
...E uma imagem para reforçar o conceito é
quase que previsível.
Mas espere. Foi exatamente isso que disse
Dobzhansky? Veja abaixo as palavras de Dobzhansky em seu contexto:
...o inusitado da maioria das mutações é exatamente o que poderia ser razoavelmente esperado. De fato, a maquinaria genética de uma espécie viva, seu genótipo, é requintadamente ajustado ao ambiente em que vive esta espécie. Dificilmente se pode esperar que um acidente, uma mudança ocasional, em qualquer mecanismo delicado, o aprimore. Enfiar alguém uma vareta no mecanismo do seu relógio, ou no seu conjunto de som, raramente o faria funcionar melhor... .Se o ambiente em que uma população vive permanece razoavelmente constante durante muito tempo, então a maioria das mutações úteis serão estabelecidas como a norma adaptativa, e a maioria ou todas as mutações que surgem serão prejudiciais. Se o ambiente mudar, algumas das mutações podem tornar-se vantajosas, serão perpetuadas pela seleção natural e, eventualmente, podem substituir a espécie ancestral (Hereditariedade e a Natureza do Homem, de Theodosius Dobzhanskyc, página 126, em inglês).
Percebeu por que as palavras de Dobzhanskyc
pareciam servir bem aos interesses da Torre de Vigia? Elas foram ditas apenas
para salientar o ponto abordado no contexto, que era a evolução dos seres vivos
por se adaptarem ao ambiente em que vivem não por escolha deles, mas por
seleção natural; mas tiradas do contexto, elas perdem totalmente o sentido
original.
“Produzem as Mutações Algo Novo?”
A seguir, em um novo subtópico, os autores
passam a considerar que as mutações restringem-se a produzir variedades entre
as espécies (microevolução), mas que jamais são capazes de produzir novas
espécies (macroevolução).
Mesmo que todas as mutações fossem benéficas, poderiam produzir algo novo? Não, não poderiam. Uma mutação só poderia resultar em uma variação duma característica já existente. Ela produz variedade, mas nunca algo novo.
Um exemplo do que poderia acontecer com uma mutação benéfica nos é dado por The World Book Encyclopedia: “Uma planta numa área seca poderia ter um gene mutante que a fizesse criar raízes maiores e mais fortes. A planta teria melhor probabilidade de sobreviver do que outras de sua espécie, porque suas raízes poderiam absorver mais água.” Mas, surgiu algo novo? Não, ainda se trata da mesma planta. Não evoluiu em outra coisa.
As mutações podem alterar a cor ou a textura dos cabelos duma pessoa. Mas, seus cabelos serão sempre cabelos. Jamais se transformarão em penas. A mão duma pessoa pode ser alterada por mutações. Pode apresentar dedos anormais. Por vezes, talvez surja até a mão de seis dedos, ou alguma outra malformação congênita. Mas será sempre mão. Jamais se transformará em outra coisa. Nada de novo está vindo a existir, nem poderá vir (Criação, páginas 102, 103).
A Torre de Vigia não podia estar mais errada em
sua conclusão. Devido a uma mutação, a árvore poderia ter uma raiz maior e mais
forte em apenas uma geração. Mas multiplique isso por muitos milhares de
gerações dessa árvore no percurso de milhões de anos de processo seletivo
devido a mudanças ambientais. Feito isso e colocado lado a lado ambas as
árvores, talvez se verifique que uma árvore frondosa transformou-se num pequeno
arbusto, ou vice-versa, e são irreconhecíveis quanto ao fato de que um dia
foram uma mesma espécie.
As declarações abaixo, extraídas da citação
anterior, merecem atenção.
As mutações podem alterar a cor ou a textura dos cabelos duma pessoa. Mas, seus cabelos serão sempre cabelos. Jamais se transformarão em penas.
A Torre de Vigia usou exemplos de pessoas, mas
poderia ter usado exemplo de animais. Por que não o fez? A razão talvez seja
porque seria um argumento facilmente contestado, em razão de que, dentre os
animais, há incontáveis exemplos de espécies de um mesmo gênero, enquanto que,
dentre os humanos, nós somos atualmente a única espécie do gênero homo.
Tomemos, por exemplo, as várias espécies de
animais do gênero Vulpes, que recebem o nome genérico de raposas. À primeira
vista, podemos supor que são apenas raposas, que se diferenciam apenas pela cor
da pelagem ou por alguns centímetros de comprimento... e no entanto são
reconhecidamente espécies diferentes, incapazes de gerar descendentes férteis
quando cruzam entre si. Além de
compartilharem muitos detalhes na aparência física, o acentuado parentesco
genético é indicativo de que um dia, há muitos milhares de anos, foram todas
uma só população de raposa, até que o isolamento geográfico, resultado de
migrações de diversos grupos, resultou em diversas populações acumularem tantas
mutações que culminou também no isolamento reprodutivo.
A meio caminho neste processo está a
raposa-das-ilhas, que habita seis das oito ilhas do Canal da Califórnia.
Trata-se de uma única espécie de raposa, visto que o isolamento reprodutivo
ainda não é observado; mas nota-se já o acúmulo de mutações genéticas entre as
seis populações, cada uma em sua respectiva ilha, de modo que já são
consideradas seis subespécies. Permanecendo o isolamento geográfico, no decurso
de um tempo verificar-se-á também o isolamento reprodutivo, quando então se
poderá dizer que as mutações ‘produziram algo novo’. A Torre de Vigia reconhece que uma mutação
pode, quando muito, mudar a cor do cabelo de uma pessoa, mas jamais fazer
cabelo se transformar em penas. Mas não é preciso tanto. Com muito menos
terrorismo científico e mais análise honesta dos fatos – e tempo –, podemos
presenciar com deleite o processo evolutivo que leva à formação de novas
espécies. E a raposa-das-ilhas, composta de seis subespécies, candidamente nos
acena ao exame.
Experiências laboratoriais com mosca-das-frutas
No subtópico seguinte, a Torre de Vigia
considera que foram frustradas todas as tentativas de fazer melhorias genéticas
a partir de experiências laboratoriais com a mosca-das-frutas. Afirma que todas
as mutantes resultantes dessas experiências resultaram ser inferiores às moscas
normais. Não tenho conhecimento de outras fontes sobre quais eram os objetivos
dessas experiências, mas posso dizer com certeza que o resultado obtido foi o
que hoje se podia esperar. Mutações desvantajosas é a ordem do dia em
praticamente todas as espécies de seres vivos. Todo dia, aos milhares, são
concebidas crianças com defeitos genéticos, muitos dos quais resultarão em
deformações físicas monstruosas; por essa razão, muitas nascerão mortas ou
morrerão antes de chegarem à idade adulta. Outras doenças genéticas não podem
ser percebidas fisicamente, mas são igualmente reais, e considerável número
delas levarão à morte em fase fetal ou depois do nascimento. Incontáveis
mutações, porém, são inócuas, não produzindo nenhum efeito deletério ao ser
vivo, e pouquíssimas são vantajosas.
Nada disso, porém, é novidade para a Torre de
Vigia. Ainda assim, ela não pôde deixar de recorrer à experiência com
mosca-das-frutas para transmitir aos seus leitores um conceito deturpado do que
é de fato o melhoramento genético dos seres vivos, que podem, por fim, levar ao
surgimento de novas espécies.
Neste ponto, vale relembrar os argumentos
falaciosos da Torre de Vigia para contestar o conceito científico de que
mutações contribuem significativamente para a evolução dos seres vivos.
Contrário à proposta da Torre de Vigia, de que não faz nenhum sentido jogar a
sorte com um mau arquiteto, um mal motorista e um mal médico, os seres vivos
são submetidos a todas as mutações possíveis, sem nenhuma escolha, e de fato é
como se escolhessem ao acaso um arquiteto qualquer, um motorista qualquer e um
médico qualquer; mas como explicitei nos parágrafos anteriores, quase todas as
mutações desvantajosas são rapidamente descartadas em razão de que quem as
possuem geralmente morre antes de chegar à idade reprodutiva. Por outro lado,
as mutações que de alguma forma beneficiam a espécie geralmente são passadas
para gerações seguintes, e os indivíduos que as possuem gradualmente se
tornarão a maioria, ao passo que os que não as possuem diminuem e tendem à
extinção. Por exemplo, a árvore citada pela Torre de Vigia, cuja mutação faz
que tenha raiz mais forte e mais profunda, tem mais chances de sobreviver a
verões severos e ventos fortes e pode passar adiante o seu gene mutante, ao
passo que árvores dessa mesma espécie, que não possuem o gene mutante, tenderão
para a extinção.
A mariposa pontilhada
A seguir, o livro Criação aborda outros três exemplos de microevolução, que, do ponto
de vista da Torre de Vigia, não é evolução de fato, uma vez que os casos
tratados não resultam de fato em novas espécies.
O primeiro caso é da mariposa de Manchester (Biston betularia) ou mariposa
pontilhada. Trata-se de duas variedades de uma mesma espécie de mariposa, uma
de cor escura e outra de cor clara. Por ocasião do início da Revolução
Industrial, a variedade de cor clara formava a grande maioria desta espécie de
mariposa, visto que, quando sentada nas árvores, as de cor escura eram mais
facilmente vistas pelos pássaros e se tornavam presas fáceis. Porém, depois de
avançada a Revolução Industrial, a poluição escureceu o caule das árvores, o
que inverteu a situação para as mariposas. Logo depois disso foram as mariposas
de cor clara que diminuíram, ao passo que as escuras aumentaram.
A Torre de Vigia então conclui:
Mas, estava a mariposa pontilhada evoluindo em algum outro tipo de inseto? Não, ainda era exatamente a mesma mariposa pontilhada, tendo apenas diferente cor. Assim, a revista médica inglesa, On Call (De Plantão), referiu-se ao emprego deste exemplo para tentar provar a evolução como “notório”. Declarava: “Trata-se de excelente demonstração da função da camuflagem, mas, visto que começa e termina com mariposas, e não se forma nenhuma espécie nova, é bem irrelevante como evidência a favor da evolução.” (Criação, páginas 106, 107).
A negativa continua nos parágrafos seguintes,
quando traz à baila o caso de bactérias expostas a antibióticos e insetos
expostos a inseticida. O fato de um antibiótico gradualmente tornar-se menos
eficaz contra algum tipo de bactérias é tomado como evidência de que algumas
bactérias sofreram mutações e que agora há duas linhagens de bactérias.
Igualmente, os inseticidas invariavelmente não são eficazes contra todas as
espécies de insetos e, ao exterminarem uma espécie, acabam por revelar outra
contra a qual faz pouco ou nenhum efeito. Nestes três casos analisados, fica
claro que uma mudança no ambiente faz com que algumas espécies de seres vivos
ou variedades deles sejam selecionados em detrimentos de outros, e o quesito
para isso é a capacidade de cada espécie de sobreviver ao ambiente em
transformação. Mas em todos esses casos, a Torre de Vigia considera que não se
trata de evolução, pois os seres vivos analisados não estão evoluindo para
espécies diferentes. Isto se dá, porém, apenas porque o surgimento de novas
espécies não ocorre abruptamente, diante de nossos olhos, mas são resultados de
mutações cumulativas decorrentes de longo período de tempo. Por exemplo, foi
uma mutação que criou a variedade escura da mariposa de Manchester, e esta
mutação, pela época da Revolução Industrial, favoreceu esta variedade mutante
em detrimento da variedade clara. É verdade que continua mariposa, mas o
processo evolutivo começa assim, em pequena escala.
“Segundo as suas espécies”
Debaixo do subtópico “Segundo as suas espécies”,
a Torre de Vigia novamente distorce conceitos científicos para contestar a
teoria da evolução.
A mensagem mais uma vez confirmada pelas mutações é a fórmula de Gênesis, capítulo 1: As coisas vivas só se reproduzem “segundo as suas espécies”. A razão disso é que o código genético impede uma planta ou animal de desviar-se muito da média. Pode haver grande variedade (como se pode ver, por exemplo, entre os humanos, os gatos ou os cães), mas não tanta que uma coisa viva pudesse transformar-se em outra. Todo experimento realizado com as mutações prova isto. Também comprovada é a lei da biogênese, de que a vida só procede de outra vida preexistente, e que o organismo genitor e sua descendência são da mesma “espécie”. (Criação, páginas 107, 108).
“O código genético impede uma planta ou animal
de desviar-se muito da média” apenas se a população for de tamanho considerável
e se não houver nenhuma mudança ambiental que selecione um ou outro mutante da
espécie. Em uma grande população de ratos, por exemplo, uns poucos mutantes sem
rabos tendem à extinção, visto que o cruzamento destes com não mutantes tende a
eliminar o gene mutante. Mas se houver uma drástica redução da população de
ratos, o acaso pode fazer que os mutantes, por alguma razão, embora também possam
estar entre os que diminuíram de números, correspondam agora a uma porcentagem
maior e podem propagar-se tanto ao ponto de se tornarem a maioria da população,
enquanto que os não mutantes, os ratos com rabos, passam a encaminhar-se para a
extinção. Para este caso, serve como exemplo a mariposa de Manchester, cuja
catástrofe foi a Revolução Industrial. Entre os humanos, pode-se citar o caso
da gripe espanhola do século passado, que exterminou uma porção considerável da
população europeia. Naquela época, a porcentagem de indivíduos com um gene
mutante qualquer pode ter sido drasticamente alterada, para mais ou para menos,
com a drástica redução da população. Mais recentemente temos o caso da Aids,
cujo vírus, uma vez contraído, pode levar à morte do indivíduo, embora já
exista medicamentos capazes de mantê-lo inativo no organismo. É de nosso interesse, neste caso, que 1 em cada 200 infectados mostra-se imune ao vírus.
Isso corresponde a 0,5% da população humana (pouco mais de 35 milhões de
pessoas), mas se, por infelicidade nossa, a Aids alastra-se pelo mundo e
dizimar considerável parte da população não imune, os cerca de 35 milhões de
imunes comporão uma porcentagem maior de indivíduos e mais facilmente poderão
passar adiante o gene salvador. Não só isso, mas também toda e qualquer
característica predominante que possuem, como cor da pele, altura, etc.
Teríamos assim uma humanidade evoluída, e não necessariamente, para melhor,
como sugere o vocábulo “evolução”. No caso
especifico, o gene que causa imunidade ao vírus da Aids também pode causar
doenças autoimunes.
Pode haver grande variedade (como se pode ver, por exemplo, entre os humanos, os gatos ou os cães), mas não tanta que uma coisa viva pudesse transformar-se em outra.
O caso da raposa-das-ilhas desmente este
conceito. Diante dos nossos olhos, as subespécies de raposas estão a evoluir
para espécies diferentes, assim como ocorreu com a ancestral de todas as
espécies de raposas agora existentes.
Também comprovada é a lei da biogênese, de que a vida só procede de outra vida preexistente, e que o organismo genitor e sua descendência são da mesma “espécie”.
A Torre de Vigia faz uma confusão proposital ao
negar que uma espécie pode gerar um ser de outra espécie, como, por exemplo,
uma galinha parir filhotes de coelho ou uma girafa parir rinoceronte. Não
existe este conceito na teoria da evolução.
O processo evolutivo que resulta no surgimento de novas espécies é
demasiadamente fácil de se explicar, sem nenhuma necessidade de se recorrer a
bizarrices de tal natureza.
Para efeito de ilustração, tome o caso das
espécies de raposas do gênero Vulpes.
Estas raposas são de espécies diferentes;
isso precisa ficar bem claro, uma vez que a Torre de Vigia costuma usar o termo
“variedades” em vez de “espécies”, de modo a lhe facilitar o ataque ao conceito
de evolução das espécies. Como está ocorrendo com o caso da raposa-das-ilhas,
em que uma população de raposas evolui para seis outras espécies, as espécies de
raposas do gênero Vulpes foram um dia
uma só espécie. Recorrendo ao termo “variedades”, a Torre de Vigia pode dizer
que não houve evolução de uma espécie em diversas outras, uma vez que continuam
sendo raposas. O Termo “variedades” é igualmente usado para se referir às
diversas raças de cães e gatos. Nesses dois casos o termo “variedades” é
apropriado, mas não no caso das raposas. Usá-lo indiscriminadamente serve ao
único propósito de confundir o leitor, coisa que a Torre de Vigia faz muito
bem, e isso ficará evidente no próximo subtópico.
Em suas próximas palavras, a Torre de Vigia nos
trás de enxurrada todo tipo de declarações absurdas a respeito do assunto em
análise. Não tive acesso ao contexto das palavras copiadas da revista Scientific American, mas descobri que se
trata de um artigo de 7 páginas intitulado The Genetic Control of the Shape of a Virus, cuja autoria é do
prestigiado Professor Edouard Kellenberger e tenho minhas dúvidas se as
palavras dele foram copiadas de acordo com o contexto.
Assim é que o livro Molecules to Living Cells (De Moléculas Para Células Vivas) declara: “As células duma cenoura ou do fígado dum camundongo retêm coerentemente seu tecido respectivo e identidades de organismo, depois de incontáveis ciclos de reprodução.”E a obra Symbiosis in Cell Evolution (A Simbiose na Evolução Celular) afirma: “Toda a vida . . . reproduz-se com incrível fidelidade.” A revista Scientific American (Americano Científico) também observa: “As coisas vivas são tremendamente diversas em sua forma, mas a forma é de uma constância notável no âmbito de qualquer linha específica de descendência: os porcos continuam sendo porcos, e os carvalhos continuam sendo carvalhos, geração após geração.” E um certo escritor sobre ciência comentou: “Os roseirais sempre florescem com rosas, jamais com camélias. E as cabras dão à luz cabritinhos, jamais a carneiros.” Concluiu que as mutações “não podem explicar a evolução geral — por que existem peixes, répteis, aves, e mamíferos”. (Criação, páginas 109, 110).
As palavras que sublinhei acima mostram até
onde a Torre de Vigia está disposta a ir em busca de apoio às suas crenças. As
palavras revelam um completo desconhecimento do conceito geral da evolução das
espécies – ou talvez não! Pode, quem
sabe, tratar-se apenas de desonestidade intelectual do autor que foi gulosamente
comprada pela Torre de Vigia. Concluir que as mutações não podem explicar
porque existem peixes, répteis, aves, e mamíferos é uma conclusão que qualquer
um pode ter, mas um mínimo de leitura de material sério a respeito do assunto
pode mostrar que não existe nenhum fundamento na conclusão tomada.
Tome, por exemplo, uma espécie qualquer de
animal; digamos: raposa-das-ilhas. Juntamente com a raposa-cinzenta, ela compõe
o gênero Urocyon; ambas as raposas compuseram um dia uma só espécie, mas agora
estão isoladas reprodutivamente. As mais de 30 espécies de raposas conhecidas
estão classificadas em oito gêneros, que foram, cada um deles, em algum tempo não
tão remoto, uma só espécie. Estes oito gêneros com mais diversos outros compõem
a família dos canídeos, cujo processo evolutivo segue o mesmo exemplo já
demostrado em parágrafos anteriores, sem saltos evolutivamente grosseiros. As
semelhanças físicas e genéticas entre os animais de todos esses gêneros sugerem
que foram uma vez uma única espécie.
No entanto, é possível perceber que quanto mais
aumentamos o grupo, as diferenças entre os grupos componentes também aumentam. Isso
indica que quanto maiores são as diferenças, mais remota foi a época em que os
animais formavam uma só espécie.
A família dos canídeos com mais diversas outras
formam a imensa ordem dos carnívoros, que estão divididos em dois grandes
grupos: Feliformia e Caniformia. No primeiro grupo temos os felídeos, bem como
o grupo das hienas, o grupo dos mangustos e suricatas e outros. No segundo
grupo encontra-se a família dos canídeos, dos ursídeos, bem como também os
grupos das focas, das morsas, etc.
O que todos esses animais têm em comum é que
são mamíferos. Por isso estão inclusos no grande grupo dos mamíferos, cujas
ordens estão divididas em marsupiais e placentários. Recuando mais ainda, chega-se ao filo dos
cordados, que incluem todos os vertebrados. É neste grupo que podemos incluir
os “peixes, répteis, aves, e mamíferos”, que compartilham entre si diversas
características básicas, além de serem vertebrados. Isso sugere que o grupo dos
vertebrados foram um dia uma só espécie e que vivia na água como peixes
pulmonados.
Parte da espécie se tornou os anfíbios,
enquanto outra parte permaneceu aquática e os peixes de hoje são seus descendentes.
Desenvolvendo maior proteção contra a perda de líquido, parte dos anfíbios
passou a permanecer cada vez mais em terra e se tornaram os répteis, dentre os
quais os grandes dinossauros. Enquanto ainda existia os grandes dinossauros,
parte dos répteis desenvolveu seus membros posteriores para usar como asas e se
tronou as aves. Outra parte, formada por répteis menores, desenvolveu glândulas
mamárias e se tornou os mamíferos, que permaneceram pequeninos até cerca de 70
milhões de anos, por ocasião da extinção dos dinossauros. Na água, os cetáceos
(mamíferos aquáticos) parecem demasiadamente deslocados em relação à imensidão
de peixes com muitos milhares de espécies. Isto se dá porque os cetáceos são
animais que evoluíram a partir de mamíferos terrestres. Além dos cetáceos,
cujos parentes terrestres mais próximos são os artiodátilos, outros mamíferos
de diferentes ancestrais também estão a evoluir para viver no mar (processo
conhecido como convergência evolutiva). Dentre esses pode-se citar o peixe-boi,
urso-polar, lontra-marinha, leão-marinho, além da foca e morsa.
Ao contrário do que apregoa a Torre de Vigia e
demais criacionistas, o processo evolutivo exposto no parágrafo anterior não é
puramente especulativo. Todo ele está devidamente documentado no registro fóssil,
pois, como era esperado, nas camadas geológicas devidamente datadas, de baixo
para cima, surgem primeiro os vertebrados aquáticos, seguido de anfíbios e,
após estes, os répteis. Mamíferos e aves são contemporâneos dos dinossauros,
mas somente após a extinção destes é que surgem mamíferos maiores. Nunca se
encontrou fóssil de dinossauro em camadas pertencentes a mamíferos maiores e
não há mamífero em camada geológica inferior à dos anfíbios.
Para contestar o registro fóssil, a Torre de
Vigia restringe-se a questionar as datações e nega veemente que exista elo de
ligação que confirme o processo evolutivo (isso será assunto de futuro artigo
aqui no blog). Para tal, apoia-se fartamente em autoridades que questionam a
evolução das espécies, que, evidentemente, nunca irão faltar.
Os tentilhões de Darwin
Agora os autores do livro Criação voltam-se para os tentilhões de Darwin. A esse respeito, é
vital prestar atenção no uso da palavra “variedade”, pois nela é que está a
cilada que os autores montaram.
A questão da variedade no âmbito da espécie explica algo que influenciou o modo original de pensar de Darwin sobre a evolução. Quando estava na ilha de Galápagos, observou certo tipo de ave chamado tentilhão. Estas aves eram do mesmo tipo que sua espécie progenitora do continente sul-americano, de onde, pelo visto, emigraram. Mas havia curiosas diferenças, tais como no formato do bico. Darwin interpretou isto como a evolução em progresso. Mas, em realidade, nada mais era do que outro exemplo de variação no âmbito da espécie, permitida pela constituição genética do animal. Os tentilhões ainda continuavam sendo tentilhões. Não se transformavam em outra coisa, e jamais se transformariam (Criação, página 110).
Os tentilhões de Darwin e a conclusão
cientifica de que eles atestam a evolução são alvos de intensa crítica por
parte de páginas criacionistas. Esta, por exemplo, recorre ao mesmo artifício
da Torre de Vigia quando usa o termo “variedades” para se referir aos
tentilhões de Galápagos. Esta outra admite microevolução, mas nega com veemência
a macroevolução – apesar de que, com muita inocência, espalha pelo texto mais
de uma evidência a atestar a ignorância do autor quanto ao assunto que
discorre.
Quando a Torre de Vigia faz uso da palavra “variedade”
para se referir aos tentilhões de Darwin, ela transmite um conceito errado
sobre essas aves, pois não se trata de variedades, tal como é o caso das raças
de cães e gatos. Os tentilhões de Galápagos realmente evoluíram em espécies diferentes. Sabe-se isso porque eles já foram descritos e catalogados e
pode-se citá-los diretamente por seus nomes científicos, dentre os quais seguem
alguns:
Geospiza
conirostris
Geospiza
difficilis
Geospiza
fortis
Geospiza
fuliginosa
Geospiza
magnirostris
Geospiza
scandens
A nomenclatura binominal, em latim e com destaque, foi adotada entre os cientistas para facilitar a comunicação entre
eles, visto que usar o nome popular da ave, que varia de região para região, causava
muita confusão. A Torre de Vigia, além de recorrer ao famigerado termo “variedades”,
evitou fazer uso do nome científico das aves, uma vez que isso denunciaria a um
leitor mais atento de que tais aves eram verdadeiramente diferentes espécies,
não apenas “variedades” ou raças.
Nomes científicos atestam que
os tentilhões de
Galápagos são espécies diferentes, não apenas variedades.
|
Os tentilhões ainda continuavam sendo tentilhões. Não se transformavam em outra coisa, e jamais se transformariam.
É verdade que os tentilhões de Galápagos
continuam sendo tentilhões assim como eram os seus ancestrais do continente. Mas
essa declaração só parece fazer sentido porque se faz uso do nome popular em
vez dos nomes científicos. Para mostrar o quanto isso é inapropriado, troquemos
tentilhões por macacos. A Torre de Vigia podia dizer que macacos se diferem em
tamanho e cor da pelagem, mas continuam sendo macacos; mas não o faz porque
dificilmente poderá convencer a algum leitor de que uma fêmea de sagui-pigmeu é
da mesma espécie que um macho gorila.
E assim conclui a Torre de Vigia:
Assim, o que Gênesis afirma acha-se em plena harmonia com os fatos científicos. Quando planta sementes, elas produzem somente “segundo as suas espécies”, de modo que pode plantar uma horta com confiança na fidedignidade de tal lei. Quando gatos procriam, sua prole é sempre de gatos. Quando os humanos se tornam pais, seus filhos são sempre humanos. Há variação na cor, no tamanho e na forma, mas sempre dentro dos limites da espécie. Já viu pessoalmente algum caso diferente? Nem foi visto por outros (Criação, página 110).
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